sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Mulheres, papel chave na conquista da soberania alimentar e energética

por peruano — última modificação 2008-09-18 20:52

Integrantes de organizações do campo e cidade do país se reuniram para debater alternativas aos atuais modelos

da Redação

Quanto “QUEREMOS que as mulheres se apropriem do tema da energia. Precisamos construir uma visão crítica do modelo que temos e buscar uma alternativa a ele, a partir das nossas experiências, da nossa voz”. A fala de Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, descreve um dos maiores objetivos do Encontro Nacional de Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética, que aconteceu em Belo Horizonte (MG), entre os dias 28 e 31 de agosto. Junto com a marcha, organizaram a atividade as mulheres da Via Campesina.

De acordo com a organização, cerca de 500 mulheres do campo e da cidade participaram dos debates que abordaram desde temas mais gerais, como as formas de luta das mulheres no sistema capitalista patriarcal, os modelos energético, agrícola e alimentar, até questões mais específicas, como a privatização da água, os monocultivos e a produção de agroenergia. “Estamos aqui dentro do contexto da luta popular pela transformação.

Queremos germinar aqui o projeto popular para o Brasil, com o olhar feminista”, resume Sarai Brixner, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

Para Soniamara Maranho, da coordenação pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o encontro contribuiu para unificar a estratégia dos movimentos, o conceito de feminismo e avançar na qualificação das lutas. “Avançamos para a construção de um projeto popular, a partir da organização das mulheres da classe trabalhadora”, opina.

Soberania

A temática geral do encontro – alimentação e energia – pautou dois debates extremamente importantes e atuais, em tempos de alta dos preços dos alimentos e do petróleo. Esses assuntos têm ganhado cada vez mais destaque entre movimentos populares não só do Brasil, mas de todo continente latino-americano, por permitir apontar a insustentabilidade do sistema capitalista.

Nalu Faria entende que o interesse das mulheres pelo tema debatido foi um dos pontos positivos. “A questão energética e alimentar é estratégica e está ligada ao trabalho cotidiano das companheiras. O encontro mostrou que existem alternativas, que as coisas não estão dadas e que as mulheres podem se envolver e se fortalecer cada vez mais com as lutas concretas”, avalia.

Para Lourdes Vicente, da coordenação do encontro pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), “aqui, nós percebemos que os problemas vivenciados pelas mulheres da cidade são os mesmos vivenciados pelas camponesas. A questão energética e alimentar é comum às nossas companheiras. Para tanto, nada melhor que bandeiras unificadas. Nesse sentido, foram apontadas algumas lutas para o próximo período, a partir da necessidade de as mulheres se organizarem para enfrentar a realidade”, aponta.

Opressão

Duplamente oprimidas dentro de uma sociedade capitalista e patriarcal, as mulheres também são as que mais sofrem com a falta de soberania alimentar e energética. Nalu Faria afirma que as mulheres sentem no cotidiano que, além de serem exploradas pela condição de trabalhadoras, também o são pela questão de gênero: a base do sistema capitalista está posto sobre a exploração de classe, de raça e de gênero. “Portanto, não basta lutarmos contra o sistema, se não lutarmos contra a exploração de gênero, e isso só vai acontecer se nos organizarmos enquanto mulheres, avançando sobre a desigualdade a que somos expostas”, conclui.

Ivonete Tonin, representando a Via Campesina, exemplifica como essa questão se revela no campo, na luta entre o agronegócio e a agricultura camponesa. De um lado, a luta para que o meio rural seja um espaço de produção de alimento e vida digna e, de outro, o campo como espaço de geração de lucro pela exploração da terra, no qual o monocultivo de eucaliptos, por exemplo, gera um único emprego numa área de 185 hectares plantados.

De acordo com ela, no Rio Grande do Sul, o monocultivo de soja expulsou do campo cerca de 127 mil pessoas. A maioria delas são mulheres, que acabam sendo domésticas nas cidades e arredores. O agronegócio é o responsável para que, cada vez mais, a pobreza no campo tenha o rosto das mulheres, com 79,8% delas não tendo renda fi xa, segundo dados do Dieese/Nead.

Oficinas

Durante o evento, as mulheres – representando cerca de 20 organizações – dividiramse em nove grupos temáticos, com objetivo de trocar experiências de alternativas que já estão sendo implementadas na prática. Técnicas de convivência com o Semi-árido, criação de sementes criolas, agroecologia e agricultura urbana, ocupações urbanas e resistência à ação das transnacionais foram alguns dos temas.

Com relação ao Semi-árido, um dos depoimentos foi o de Francisca das Chagas, mais conhecida como Chaguinha. A mudança na vida dela começou com a chegada de 30 cisternas ao assentamento Independência, no Rio Grande do Norte, onde vive. Para conquistar a cisterna, ela precisava participar de um curso de cisterneira (também conhecido como curso para mulheres pedreiras). No curso, ela não só aprendeu a construir cisternas, como também a vencer preconceitos. “Hoje eu sou referência quando o assunto é cisterna, mas no começo ninguém acreditava que eu seria capaz. Também precisei enfrentar meu marido, que não permitia que eu viajasse e não queria que eu trabalhasse fora. Hoje é tudo diferente. Fazemos tudo junto”, relata.

Chaguinha ainda complementa, dizendo que, além da autonomia, conquistou o direito de ter água de qualidade em casa. “Hoje, quando acordo, vejo minha cisterna bem linda no quintal, e não preciso mais buscar água distante de casa”, conta. (Com informações da Equipe de Comunicação do Encontro Nacional por Soberania Alimentar e Energética, Alexania Rossato, Fernanda Cruz, Joana Tavares, Patrícia Prezotto, Lívia Bacelete, Nina Fideles e Viviane Brochardt – http://www.sof.org.br/encontro).

"Brasil de Fato"

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