30 de Setembro de 2008
Rüdiger Falksohn e Wolfgang Reuter
Os preços de energia e alimentos parecem estar aumentando diariamente e com eles a inflação. Com um novo relatório de estratégia, a chanceler alemã Angela Merkel espera encontrar um caminho para a crise tríplice no encontro de cúpula do G8 (grupo dos países mais industrializados mais a Rússia), nesta semana no Japão.
No que se refere a bilionários, Richard Rainwater, 65 anos, do Texas, é bastante comum. Seus ativos estão avaliados em cerca de US$ 3 bilhões, o que o coloca na faixa intermediária dos americanos super-ricos.
Um matemático por formação acadêmica, Rainwater é um visionário - famoso por ser o “caubói do capitalismo dos anos 90″, porque há 11 anos ele vendeu ações lucrativas de diversas empresas e, juntamente com outros, investiu US$ 300 milhões adicionais em empresas do mercado de energia que estava em dificuldades na época. O estouro da bolha pontocom de Internet e a recente crise imobiliária pouco o afetaram, e sua empresa, a Rainwater, recentemente anunciou com satisfação um lucro de US$ 2 bilhões.
Em 1997, um barril de petróleo cru custava apenas US$ 20. De lá para cá o preço explodiu e atualmente se encontra em US$ 144 no mercado global. Mas olhando à frente, Rainwater vendeu seus interesses em petróleo quando o preço atingiu US$ 129 e a empresa está, pelo menos por ora, evitando o petróleo. Rainwater vê a atividade turbulenta nas bolsas de commodities como um observador distante e surpreendentemente até a critica. Se as coisas prosseguirem como estão, ele disse recentemente à revista “Forbes”, a sobrevivência da humanidade poderá estar em risco.
O mundo já foi abalado por três crises financeiras recentes. Como resultado do colapso imobiliário nos Estados Unidos, bancos e seguradoras de todo o mundo foram atingidos. Além disso, os preços dos bens mais importantes do mundo estão em alta - tanto para fontes de energia quanto para alimentação. E quanto mais caros ficam os commodities, mais eles aceleram o processo de inflação global.
Inevitavelmente, o Terceiro Mundo e os países emergentes estão sendo arrastados por estas crises. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) transformaram a abertura de seus mercados internos para capital e produtos ocidentais - incluindo alimentos e bens de consumo - em uma pré-condição para obtenção de empréstimos. E agora isto.
No Vietnã, apenas recentemente considerada uma economia tigre asiática, a taxa de inflação já está em 25%. Em junho, a população teve que gastar 75% mais em alimentos do que há apenas um ano. Trabalhadores estão fazendo greve por aumentos salariais em muitas partes do país.
Os preços do diesel em Bangladesh aumentaram em um terço, para cerca de US$ 0,80 por litro; o preço do gás natural aumentou dois terços. Dos 145 milhões de habitantes do país, 58 milhões precisam viver ganhando menos de US$ 1 por dia.
Na Tailândia, manifestantes bloquearam as ruas por causa da desvalorização do baht, que está dolorosamente inflacionando os preços dos importados. Crescem os temores de uma nova crise asiática.
Na Índia, os protestos estão se tornando mais freqüentes. Linhas de trem estão sendo bloqueadas. Escolas estão sendo fechadas. E, na semana passada, milhões de caminhoneiros entraram em grave após o governo em Nova Déli ter reduzido os subsídios aos combustíveis, uma nova política que afeta não apenas os preços do diesel, mas também o do óleo de cozinha.
A Índia, uma potência econômica em rápido crescimento, está enfrentando uma taxa de inflação de 11,6%. No Paquistão, o índice é de 19,3%, 20,2% no Irã, e Rússia, Sérvia e Bulgária estão registrando índices de cerca de 15%. Em 50 outros países, o índice é superior a 10%.
Se a Alemanha, por exemplo, experimentasse uma queda de 30% no poder aquisitivo como vista atualmente na Etiópia ou Venezuela, isto significaria que aqueles que recebem o mais alto benefício desemprego do país, atualmente de 378 euros (US$ 594) por mês, veriam seu poder de compra reduzido para 264 euros em um ano.
Toda a atenção agora está concentrada na ilha de Hokkaido no Japão. A partir de segunda-feira, os líderes dos países do G8 se reunirão na cidade de Toyako para discutir uma série de questões que dificilmente poderiam ser mais complicadas. Como, por exemplo, é possível reprimir o poder destrutivo potencial de uma economia globalizada? O sistema capitalista está seguindo para um colapso? E como resgatar o mundo desta crise tripla - e com que meios?
Surpreendentemente, os oito maiores países industrializados do mundo inicialmente nem queriam colocar estas questões no centro de sua agenda. O primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, 71 anos, carecia de coragem ou talvez de poder para colocar a questão da crise tripla na agenda. Em vez disso ele se concentrou na mudança climática e na África, as mesmas questões adotadas por sua antecessora, a chanceler Angela Merkel da Alemanha, que foi a anfitriã da última conferência do G-8 em Heiligendamm, na costa do Mar Báltico, em 2007.
Mas, em abril, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, escreveu aos japoneses e pediu para que a situação mundial dos alimentos fosse discutida no encontro. Merkel também reconheceu a necessidade de ação. Discretamente, eles convocaram um grupo de trabalho interministerial. Na última segunda-feira, eles informaram as conclusões a Fukuda, o presidente do G8, assim como aos chefes de Estado e governos dos demais países membros.
A “Spiegel” obteve uma cópia da carta de seis páginas, que trata dos problemas fundamentais com a seriedade adequada e agora guiará a discussão do G8.
O aumento dos preços terá “conseqüências sérias para a segurança e oferta de alimentos para famílias pobres e carentes, tanto nas áreas urbanas quanto rurais, dos países em desenvolvimento”, ela declara. A escassez de alimentos e conflitos em torno do controle e acesso aos recursos naturais poderia “colocar em risco a democratização, desestabilizar Estados e se transformar em problemas de segurança internacional”.
Além do “crescimento demográfico e econômico” e da “mudança dos hábitos de consumo” no Terceiro Mundo, os autores também atribuem à crescente produção agrícola destinada aos combustíveis como culpada pela explosão de preços. Finalmente, a desvalorização do dólar e a especulação no mercado de futuros também têm influência significativa sobre e nível e flutuações nos preços dos alimentos.
Os conselheiros de Merkel presumem que os preços dos grãos, arroz e sementes oleaginosas se tornarão um pouco menos caros, mas não muito. Ao mesmo tempo, eles esperam flutuações de preço ainda maiores. No relatório de orientação para o G8, eles recomendam:
- um aumento da produtividade agrícola - principalmente nos países em desenvolvimento, onde esta representa, em média, 1% do setor;
- garantias para que os mais duramente atingidos tenham acesso aos alimentos e ajuda financeira;
- que sementes, adubo e equipamentos agrícolas sejam fornecidos rapidamente (de preferência para Estados que façam “bom uso” desta ajuda e de forma responsável);
- a suspensão imediata de restrições de exportação em, por exemplo, países como a Índia.
O governo alemão acredita que os 30 países mais pobres do mundo precisam de US$ 20 bilhões adicionais para importação de alimentos para compensar a oferta insuficiente -um fato que agravaria enormemente seus déficits atuais. O governo de Merkel deseja que o FMI assegure que estes Estados permaneçam solventes. Visando lidar com a “natureza dramática” da crise, a produção global de alimentos também deve ser aumentada -especialmente nos países mais pobres do mundo. O governo alemão argumenta que seria prudente para os países ricos investir na agricultura destes países.
Apenas neste ano, anunciou Merkel, a Alemanha disponibilizará US$ 750 milhões para ajudar a garantir a oferta de alimentos a estes países. Em Toyako, ela deverá pressionar pela criação de uma força-tarefa agrícola na esfera da ONU assim como de um plano para ação adicional.
As propostas de Berlim não são novas nem revolucionárias. Todavia, elas representam as formas como os principais países industrializados estão buscando lidar com estes grandes problemas.
Assim como há um ano em Heiligendamm, a chanceler alemã Merkel também está estabelecendo o tom neste encontro do G8. Mas será que o clube será capaz de tomar as medidas apropriadas? Afinal, a fome é apenas um aspecto deste problema triplo.
A meta é desfazer o nó cego, preferivelmente sem violência. É necessária a adoção de uma posição dura em relação aos fundos hedge, que vem se enriquecendo de forma imprudente; os mercados precisam ser ajustados e regulados. Mas que regras devem ser aplicadas? E que mecanismos de supervisão podem ser justificados sem espalhar ainda mais os estragos?
O fato, por exemplo, de bilhões de chineses estarem comendo mais carne e consumindo mais gasolina do que antes e de que a demanda está crescendo é resultado de um tremendo crescimento econômico. O Império do Centro permitiu o ingresso de investidores em seu país e a qualidade de vida está aumentando - um verdadeiro exemplo para livros educativos. A milésima loja do McDonald’s na China em breve erguerá seus arcos dourados para prazer da sede da empresa americana em Illinois.
Ainda assim, o recente boom em investimento e consumo em Pequim e Xangai recentemente foi identificado como sendo uma das causas do crescente desequilíbrio global. Um motivo é a China estar se tornado uma concorrente formidável na disputa por recursos finitos como petróleo cru. O fato do país também estar diariamente eliminando terras agrícolas para abrir caminho para a indústria também é visto como sendo algo crítico, pois contribui tanto para a redução de suas próprias terras aráveis quanto das áreas agrícolas globais, de forma que a China agora precisa importar milho, soja e trigo.
De fato, a longa marcha da China de um país agrícola para a potência industrial que é atualmente está começando a mostrar seu lado sombrio. Este desenvolvimento industrial, antes tão elogiado, agora deve ser condenado?
Visando manter economias importantes nos trilhos, medidas completamente contraditórias estão sendo realizadas a curto prazo. O Federal Reserve (o banco central americano) em Washington, por exemplo, está reduzindo sua taxa de juros referencial visando estimular a economia americana. Ao fazê-lo, ele está disposto a aceitar a inflação que vem com isso. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu faz o oposto - elevando as taxas de juros na última quinta-feira para 4,25% visando controlar a inflação (atualmente em 4% na zona do euro).
Enquanto isso, o FMI está pedindo por controles mais rigorosos do mercado financeiro, mais relatórios bancários detalhados e melhor gestão de risco nas instituições financeiras e agências de classificação. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn acredita que “a necessidade de uma intervenção pública está cada vez mais evidente”.
Por sua vez, como o mundo soube na sexta-feira, o Banco Mundial está desde abril de posse de um relatório que conclui que a agricultura de plantas usadas para biocombustíveis teve um impacto muito maior sobre os preços dos alimentos do que previamente se imaginava. Mas o relatório foi mantido em sigilo em deferência ao governo americano, que vem apontando o aumento da demanda por alimentos na China e Índia como causa do aumento dos preços, não a demanda por biocombustíveis nos postos americanos e europeus.
A grande maioria dos especialistas está, no mínimo, unida em sua crença de que os tempos de boom chegaram ao fim e que as rédeas precisam ser puxadas, especialmente entre os especuladores. Os governos terão que assumir de novo um papel mais forte no controle dos mercados. Agora cabe aos representantes do G8 a responsabilidade de chegar a conclusões razoáveis e tomar decisões razoáveis com base no relatório de Merkel e outras análises.
“Der Spiegel”
Extraído do Blog Controvérsia, em 1/10/2008
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