4 de Outubro de 2008 às 20h 00m
Ao perseguirem o lucro máximo, as empresas gigantes da agroindústria provocam, no fim do milênio, um inesperado “grande medo”: o da alimentação cotidiana. É longa a lista dos produtos de consumo adulterados, da “vaca louca” à galinha com dioxina, da carne de gado com hormônios à soja transgênica, da água mineral à Coca-Cola contaminadas.
François Dufour
A crise na agroindústria na Bélgica com o caso da galinha com dioxina questiona as orientações da Política Agrícola Comum (PAC) européia, cuja ambição atual é adaptar-se à globalização.
Quando, nos anos 80, os lobistas britânicos da agroindústria, desejosos de fazer despencar de qualquer maneira os custos de produção, liberaram o setor da carne bovina, não esperavam pelos efeitos desastrosos de sua decisão sobre a saúde animal e humana: em 1996, o caso da encefalopatia espongiforme bovina (ESB), chamado de “vaca louca”, lançou suspeitas sobre certas práticas agrícolas. Entretanto, é sobre os agricultores que o descrédito recaiu, apesar deles serem vítimas dos fabricantes de alimentos para o gado, e de seus aliados, os matadouros.
A responsabilidade desta situação não cabe somente aos britânicos: ela é compartilhada pelas autoridades da Comunidade Européia e tem sua origem na orientação que deram à PAC. E não foi por falta de alerta: desde 4 de abril de 1996, a Confederação Camponesa interpelava as autoridades francesas e belgas sobre as medidas urgentes a serem postas em prática proibindo a utilização de farinhas animais na alimentação de todos os animais domesticados. Em Paris, recebeu como resposta que a identificação de “carne bovina francesa” e uma total “transparência” daria todas as garantias. Ingenuidade ou hipocrisia? A manutenção da autorização para utilizar todas as farinhas para alimentar os porcos e as aves abria o caminho para as ilegalidades e os desgovernos. Foi desse modo que cinco meses mais tarde, em 1997, uma epidemia de peste suína apareceu nos Países Baixos, destruindo metade da criação: foi preciso abater milhões de porcos. Custo da operação: 1,1 bilhões de dólares, metade desta soma recaindo no bolso dos contribuintes europeus.
Concentração de animais
Nenhuma medida isolada solucionará o problema, que tem como origem a imposição de um modelo produtivista, organizado, via PAC, para único benefício dos lobbies da agroindústria, e em primeiro lugar das transnacionais da alimentação animal, produção de antibióticos e ativadores do crescimento. Os custos de utilização dos antibióticos são avaliados oficialmente em cerca de 67 dólares por suíno fêmea, numa criação de menos de 100 animais. Mas, quando a produção se concentra num mesmo lugar, estes custos podem superar a soma de 170 dólares por cabeça. O objetivo agora não é mais cuidar do animal, mas obter ganhos de peso artificial. No entanto, os pesquisadores em microbiologia têm, há muito tempo, demonstrado que, concentrando os animais, a industrialização da criação concentra também os elementos patogênicos e os riscos.
Sabemos que as salmonelas, muito presentes no setor avícola, estão na origem de cerca de 80% das infecções tóxico-alimentares coletivas recenseadas na França. Por outro lado, as bactérias tornam-se cada vez mais resistentes a antibióticos consumidos em quantidades excessivas, com evidentes inconvenientes no tratamento das doenças infecciosas. O comitê científico da União Européia (composto de 16 experts independentes) publicou um relatório nesse sentido, no qual pede a sua interdição — sem ter conseguido ser ouvido até hoje em Bruxelas. É preciso dizer que este ramo do mercado farmacêutico mundial representa uns 250 bilhões de dólares…
Quanto à utilização — posta em questão de maneira espetacular depois da “vaca louca” — das farinhas animais como proteínas incorporadas na alimentação do gado a fim de equilibrar as rações, ela não é nada nova. A criação industrial intensiva construiu seu poder e sua estratégia de conquista dos mercados mundiais sugando uma fonte inesgotável: os restos do abate reciclados que em seguida são dados aos animais como alimentação [1]. A pesquisa do menor custo para obter o maior lucro levou os responsáveis dos grandes grupos de fabricantes de farinha a recusar sistematicamente as regras públicas de transparência e de informação aos criadores sobre as características e composições dos produtos fabricados. Em julho de 1996, a Confederação Camponesa fez a primeira queixa no caso da ESB [2], mas a justiça é lenta. Os poderes públicos francês e europeu, muitas vezes prontos a tomar medidas, inclusive legislativas, são bem mais lentos quando se trata de aplicá-las e de fazer respeitá-las.
Sanções comerciais
O escândalo da contaminação de carnes pela dioxina [3], substância altamente cancerígena e presente em doses consideráveis em certos alimentos do gado, como o caso da ESB, revela novamente a apatia, ou até mesmo a cumplicidade, dos serviços estatais em relação aos poderes financeiros, apesar dos discursos pacificadores dos governos. As repercussões serão graves — enquanto aumentarem “os medos alimentares” — para os criadores de aves, de porcos, até mesmo de bovinos: eliminação dos rebanhos atingidos, redução do preço, revisões unilaterais dos contratos de produção para os produtores integrados às empresas de alimentos. Porém, além da dioxina, outros perigos espreitam, como os ligados à acumulação de metais pesados nos solos através da fertilização com o lodo do tratamento de efluentes, sem esquecer as conseqüências, ainda desconhecidas para o meio ambiente e para a saúde, das manipulações genéticas com animais e vegetais.
As instâncias comunitárias até agora resistiram à pressão das firmas farmacêuticas que desejam impor hormônios leiteiros e animais, embora seja conhecido que a Bélgica é um país-chave para o tráfico destes hormônios na Europa. Entretanto, os Estados Unidos — que querem exportar a qualquer preço seu gado bovino para a Europa dos Quinze —, já marcaram sérios pontos a seu favor no seio da OMC que pouco se importa com as considerações de saúde pública [4]. Os europeus, como preço de sua recusa, devem pagar 253 milhões de dólares, sob a forma de aumento dos direitos de importação de certas exportações destinadas aos Estados Unidos (202 milhões) e ao Canadá (51 milhões). A Comissão Européia não se opõe ao princípio destas sanções, apenas reclama quanto ao seu montante. Ela se recusa a invocar o princípio de precaução, que está previsto no acordo das medidas sanitárias e fito-sanitárias concluído em 1994 por ocasião da Rodada Uruguai do Acordo Geral Sobre as Tarifas Aduaneiras e o Comércio (GATT), sob o pretexto de que isso poderia ser considerado por Washington como uma provocação!
Como vimos em fevereiro de 1999 em Cartagena (Colômbia) [5], um outro conflito comercial de envergadura se prepara entre os países que produzem e comercializam vegetais geneticamente modificados (Argentina, Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, México) e Europa, onde somente nove variedades são autorizadas para a cultura e para a importação desde 1994. Mas somente a pressão dos consumidores e os movimentos de cidadãos europeus obrigou a Comissão e a maioria dos governos a ainda não liberalizar totalmente o comércio dos transgênicos, estas novas ferramentas de apropriação das sementes e das plantas por algumas firmas: Novartis, Monsanto, Pioneer-DuPont, Agrevo, etc. Desde o surgimento da agricultura, os agricultores semeiam seus campos a partir de suas próprias colheitas. Foram eles que há milênios selecionaram e adaptaram as plantas em função de suas necessidades e das características do ambiente. Hoje, os grandes grupos fabricantes de sementes selecionaram as sementes híbridas, com performances adaptadas à agricultura produtivista. Estes híbridos não podem ser semeados, enquanto as plantas autógenas como o trigo, a cevada e a colza são reutilizadas em 50% dos casos. Os fabricantes de sementes não têm, evidentemente, nenhum interesse em que os agricultores possam voltar a semear suas terras a partir de suas próprias colheitas. Eles tentam convencê-los de que as manipulações genéticas lhes darão margens financeiras maiores.
Enganos
Esta pretensão constitui um engano intelectual, em primeiro lugar, porque ela postula que a agricultura produtivista, importante consumidora de insumos, pesticidas e fungicidas de todo tipo é o único modelo apto a satisfazer as necessidades humanas. Ora, são numerosos os agricultores que desenvolvem outros modos de produção (especialmente a agricultura biológica), bastante competitivos, porém preocupados com a natureza e os consumidores. Em seguida, é um engano econômico, porque deixar as sementes nas mãos de algumas firmas multinacionais é aceitar uma integração cada vez mais forte dos agricultores ao complexo genético-industrial [6].
Os riscos do plantio dos transgênicos para a saúde e o meio ambiente são objeto de debates entre os cientistas. E a tendência é a mais extrema prudência, particularmente após numerosos estudos demonstrando os efeitos nefastos sobre as borboletas, do milho transgênico Bt, produzido pela Monsanto, Novartis e Pioneer. Porém, agindo como aprendizes de feiticeiros, os governos alemão, espanhol e francês autorizaram a sua comercialização [7].
Após o caso da dioxina, os ministros da agricultura dos Quinze, não deram prosseguimento à demanda francesa de proibição das farinhas animais, já que se coloca o problema de soluções para a substituição de proteínas vegetais.
A Europa, que fez a triste escolha do desenvolvimento de cereais a preço baixo, destinados ao mercado mundial, é fortemente deficitária em plantas ricas em proteínas e oleaginosas. Sua taxa de auto-suficiência para a colza, o girassol e a soja é somente de 22% para o ano comercial 1996-1997 [8]. Também, pudera: durante as negociações do GATT de 1993, ela aquiesceu às exigências de Washington, aceitando limitar em 5 482 hectares a sua área cultivada de oleaginosas, de modo a garantir ao agro-business americano uma colocação sem limites de suas tortas de soja e produtos de substituição dos cereais que entram na Comunidade livres de qualquer direito de aduana. Portanto, é para os Estados Unidos e para os países da América Latina — para eventualmente substituir as farinhas animais — que os agricultores europeus deverão voltar-se para seus fornecimentos. Ou seja, para os países onde milhões de hectares de transgênicos são cultivados (de acordo com fontes profissionais, 40% da soja e 20% do milho norte-americanos são trangênicos) e onde as multinacionais se negam a criar filiais de condicionamento e de comercialização separadas entre transgênicos e não transgênicos. Dito de outro modo, devido à falta de um sistema de etiquetagem claro, para a alimentação tanto humana quanto animal, os consumidores e os agricultores são tomados como reféns e têm apenas a escolha entre a peste das farinhas animais e a cólera dos transgênicos.
Dois mercados diferentes
Mais além do apoio dado pela França, dia 24 de junho, à proposta grega de suspensão de toda nova venda de transgênicos no plano europeu, as associações (France Nature Environnement, Greenpeace, Attac, etc.) reclamam uma moratória sobre o cultivo e a comercialização das tecnologias genéticas e a aplicação do princípio de precaução. Uma grande parte dos produtores, dependentes das grandes firmas nos planos tecnológico, econômico e financeiro, não tem mais margem de manobra. A indústria se apoderou do agricultor ao lhe impor suas próprias normas de fabricação de matérias primas de preço baixo, tornando-o uma cobaia descartável, que se joga no lixo quando não serve mais.
A fome no mundo não é um problema técnico que se possa resolver através das tecnologias genéticas. Ela será solucionada apenas pela soberania alimentar [9], isto é, pelo reforço de uma autonomia política dos países em vias de desenvolvimento, pelo reconhecimento de seu direito de se proteger das importações desleais e do dumping econômico, social e ecológico dos países ricos. É conveniente orientar-se, então, para uma agricultura que coloca no centro de suas preocupações a dimensão social, territorial e ambiental, e não uma agricultura dual onde os pobres se empanturrariam de uma alimentação de má qualidade, produzida por um punhado de agricultores ricos, e os ricos consumiriam uma alimentação de qualidade, fornecida por agricultores pobres.
Colocar a PAC, como fez a Comissão européia, a serviço da “vocação exportadora da agricultura européia” é uma grave confusão entre dois mercados de natureza fundamentalmente oposta: o dos produtos básicos (leite em pó, cereais, carnes brancas e cortes baixos de carne vermelha) e o de produtos elaborados e de importante valor agregado. O mercado mundial dos produtos básicos é alimentado pelos excedentes agrícolas dos grandes (União Européia, Canadá, Estados Unidos). Os preços deste mercado são extremamente baixos e permanecerão assim por muito tempo, se dermos crédito a um relatório recente do Banco Mundial: preço do leite entre US$ 0,10 dólares e US$ 0,17 o litro; quilograma do porco entre US$ 0,25 e US$ 0,40; e da vitela a US$ 0,75. Para produzir a preços tão baixos, é preciso eliminar todas as obrigações na produção e fazer recuar todos os limites: ateliers que se tornaram gigantescos, terras e ajudas públicas monopolizadas por alguns agro managers.
O mercado dos produtos elaborados ou de importante valor agregado obedece a regras fundamentalmente diferentes. Os agricultores, mesmo que busquem atingir a maior produtividade, não se enfrentam diretamente. As produções seguem normas muito claras e respondem a um conjunto de obrigações precisas. Elas se fazem em zonas geográficas bem identificadas e permitem valorizar um conhecimento. Contribuem para uma verdadeira economia local gerada por um valor agregado importante. Esta agricultura é a única alternativa a um tipo de desenvolvimento fundado na globalização cega das trocas. As catástrofes da “vaca louca” e da galinha com dioxina podem ser apenas o prelúdio de outras, se não for constituída uma frente ampla reunindo agricultores, consumidores e movimentos de cidadãos para recusar esta forma de ditadura dos mercados que representa o poderio das multinacionais da agroindústrias e indústria química.
[1] Sobre o conteúdo das farinhas e os métodos de matadouros, ler extratos do relatório confidencial da Direção Nacional de Pesquisas e de Repressão das Fraudes (DNERF) publicadas no jornal Le Canard Enchaîné, 9 junho 1999.
[2] Bertrand Hervieu, “Folie des vaches, folie des hommes” (Loucura das vacas, loucura dos homens), Le Monde diplomatique, maio 1996.
[3] As dioxinas são poluentes orgânicos resistentes, classificados de “cancerígenos humanos conhecidos” pelo Centre International de Recherche sur le Cancer (CIRC). Trata-se essencialmente de sub produtos de procedimentos industriais: fundição, branqueamento do papel, fabricação de certos herbicidas e pesticidas e, sobretudo, incineração do lixo, porque esta combustão é incompleta. O termo “dioxina” designa uma família de compostos (mais de 400) aparentados à mais tóxica de todas, a TCDD.
[4] Desde 1989, a União Européia proibiu a utilização dos hormônios de crescimento na alimentação animal, devido os riscos que elas comportam para a saúde humana. Os Estados Unidos e o Canada obtiveram em 1997, um julgamento da OMC condenando esta “violação das regras do comércio mundial” que se refere a 10 mil toneladas de importações, sobre um total de cerca de 45 mil toneladas. Dia 12 de julho, um grupo de arbitragem da OMC deveria estatuir sobre o montante de compensações que a União Européia deverá pagar aos dois países reclamantes.
[5] Inaugurada dia 14 de fevereiro, a conferência de Cartagena sobre os produtos transgênicos procuravaestabelecer um “protocolo sobre a prevenção dos riscos biotecnológicos” suscitados por tais produtos. O “grupo de Miami”, levado pelos americanos se opôs, transferindo o problema para a OMC, forum onde o comércio prima sobre qualquer outra consideração (Le Monde, 26 fevereiro, 1999).
[6] Ler Jean Pierre Berlan e Richard C. Lewontin, “La menace du complexe genético-industriel” (A ameaça do complexo genético-industrial), Le Monde diplomatique, dezembro 1998.
[7] Um estudo da Universidade de Cornell, publicado na revista Nature de 20 maio 1999, e confirmada pelos pesquisadores da Universidade de Iowa, revelou uma taxa de mortalidade de 44% em 48 horas nas larvas da borboleta monarca alimentadas com leite contaminado com o pólen do milho Bt. Trabalhos realizados pelo Greenpeace com um entomologista da Universidade de Exeter mostraram que este milho poderia ser nefasto para mais de cem espécies, entre elas o o pavão, e duas variedades específicas de borboletas. Greenpeace International: www.greenpeace.org
[8] Jacques Loyat e Yves Petit, La politique agricole commune, La Documentation française, Paris, 1999.
[9] Edgar Pisani, “Pour que le monde nourrisse le monde” (Para que o mundo alimente o mundo), Le monde diplomatique, abril 1995.
“Le Monde diplomatique”
Extraído do blog Controvérsia
domingo, 5 de outubro de 2008
Crise alimentar é o resultado do livro mercado e do abandono da política agrária
2 de Outubro de 2008 às 12h 00m
Questões Agrárias
Valéria Nader (colaborou Gabriel Brito)
Em face de mais uma crise mundial que parece explosiva, com a fome e a inflação de alimentos se tornando noticiário nos vários cantos do planeta, conversamos com o professor do departamento de Geografia da USP Ariovaldo Umbelino.
Para Umbelino, a atual situação não deixa a menor margem para diagnósticos ilusionistas: a crise alimentar resultou da total incapacidade do mercado para conduzir à segurança e à soberania alimentar. No Brasil, a ausência de reforma agrária foi também determinante, e a situação é tendencialmente explosiva em função da escalada dos biocombustíveis.
Confira abaixo entrevista exclusiva.
Correio da Cidadania: A que se pode atribuir, pensando globalmente, o atual problema da fome: à formação especulativa de estoques, à queda de safras, à tomada de terras para os cultivos agroindustriais, todos eles comprometendo a produção de alimentos?
Ariovaldo Umbelino: Em primeiro lugar, há de se levar em conta que a falta da produção de alimentos na atual conjuntura tem uma série de motivos, que vou tentar enumerar.
Primeiro, o que está em jogo é uma crise estrutural no interior do sistema produtivo que o capitalismo adotou no neoliberalismo, com a mudança da sistemática de controle da produção de alimentos, antes baseada no sistema de estoques e hoje baseada no livre comércio, ou seja, na disponibilidade dos estoques no mercado. Essa mudança está revelando agora suas conseqüências. Portanto, essa é uma primeira razão, e ela é estrutural.
Podemos também lembrar que há uma redução dos estoques em função da ‘subprime’, qual seja, dos problemas no mercado financeiro norte-americano. Uma parte dos fundos se dirigiu à compra de commodities (mercado de futuro), o que acelerou o processo especulativo em função da queda dos estoques e da possibilidade de oferta de alimentos no mercado futuro. Essas são questões estruturais e estão associadas.
A segunda razão é de natureza conjuntural, e deriva do aumento do preço do petróleo. Toda a produção do agronegócio pós-revolução verde, e agora, nesse período do neoliberalismo, está assentada no setor agroquímico, e evidentemente que este é comandado pela lógica do preço do petróleo. Se sobe o preço deste, o custo da agropecuária também sobe e, consequentemente, deriva daí parte da responsabilidade pelo aumento dos preços dos alimentos.
O terceiro motivo, nem por isso de menor importância, pois todos esses são processos simultâneos, está no aumento do consumo devido a uma certa melhoria das condições de algumas populações, sobretudo da China e da Índia, que têm ampliado a importação de alimentos. Mas não é essa a principal razão, como se quer fazer crer no Brasil.
CC: Nesse sentido, fazendo um parêntese para o Brasil, o presidente Lula chegou a declarar que a inflação de alimentos é decorrente de os pobres estarem consumindo mais, e não uma conseqüência da expansão do cultivo do biocombustível. Ao mesmo tempo, aparentemente corroborando a versão presidencial, sabemos que o motor do crescimento nos últimos meses tem sido realmente o aquecimento do mercado interno, em face da deterioração da balança comercial (exportações menos importações). Como você avalia essa situação?
AU: Isso é uma grande bobagem. É evidente que o aumento do consumo é parte da questão, mas não é nem a razão principal, muito menos a única, conforme disse.
CC: Mas voltando, então, aos determinantes da crise alimentar em escala global, você citaria algum outro fator, como, por exemplo, a produção dos biocombustíveis?
AU: Outra causa também conjuntural, que pode vir a se tornar estrutural, é a opção norte-americana pela produção do etanol a partir do milho, bem como o caminho tomado pelos países da União Européia de produzir o etanol a partir de grãos. É claro que essa opção dos EUA, hoje o maior produtor mundial de etanol, fez com que uma parte do milho destinado à alimentação humana e animal fosse destinada à produção de etanol, o que por sua vez gerou os mecanismos especulativos na queda dos estoques de milho. Essa queda, por sua vez, puxou pra cima os preços dos demais grãos: soja, trigo, arroz.
Volto a insistir, essa razão é conjuntural, mas pode vir a se tornar estrutural, porque os EUA não têm mais terras disponíveis à agricultura para ampliar sua produção de milho e continuar mantendo sua produção de trigo e soja. Essas três culturas competem entre si. Portanto, se aumenta a área de uma, diminui a de outra. Além do mais, ampliar a área de cultivo nos EUA sai muito caro, os preços dos alimentos não compensariam. E a essa questão interna dos EUA se soma o aumento do custo de produção, pelo efeito do petróleo.
Esse é, assim, o quadro que se apresenta no plano mundial.
CC: E como esse quadro rebate nos países emergentes, especificamente?
AU: Poderíamos dizer que os primeiros países onde esse rebatimento se deu de forma rápida foram os da Ásia, com a elevação dos preços do arroz, e também os países importadores de trigo. Nesses, o efeito foi imediato, pois, com a elevação do preço do trigo nos EUA, e consequentemente do trigo exportado para outras partes do mundo, os países importadores sentiram imediatamente a alta.
Quanto ao arroz, a elevação de seu preço fez com que os países produtores de arroz do sudeste asiático começassem a bloquear as exportações do produto, assim como agiu a Argentina com relação ao trigo.
Evidentemente que o lado cruel desse processo todo rebaterá na África, cujos povos precisam do trigo para sua alimentação básica, em função do grau de miséria que a região sofre. E aí entra o grito da ONU, pois ela tem seus recursos destinados a fornecer alimento a essa população que sofre com a fome e percebeu que não teria como comprar esses produtos em razão da elevação dos preços.
Mas não só a África sofre, como também a América, como se viu no Haiti.
CC: E o Brasil, como fica nessa conjuntura?
AU: No Brasil, o primeiro efeito aparece no trigo, já que, com o bloqueio das exportações da Argentina, precisamos comprar no mercado mundial, ou seja, nos EUA e Canadá, onde há trigo disponível para exportação. Sendo assim, os preços se elevaram. Não só os preços, pois agora há também o frete, que não existia quando se trazia trigo da Argentina.
Pois bem, o Brasil tem um consumo anual de 10 milhões de toneladas de trigo e produz três milhões, o que nos torna o maior importador mundial de trigo hoje. Sendo assim, inevitavelmente o efeito do trigo terá suas conseqüências no Brasil, não só no pão, mas em todos os produtos nos quais se utiliza trigo.
Somos o único país do mundo em que se prega essa tese maluca do neoliberalismo, de que comida tem de ser oferecida no mercado a quem puder pagar mais, como propõem os economistas neoliberais. Claro que isso tira do país a possibilidade de obter uma mínima segurança alimentar, nem digo soberania.
A lógica do neoliberalismo é essa: manda-se comida a quem paga mais, não a quem tem fome. Nem para o próprio povo do país. A lógica neoliberal não está assentada na segurança, quanto menos na soberania alimentar.
Como parte desse mecanismo, agravando-o ainda mais, vêm os possíveis desdobramentos futuros. O Brasil, com seus três milhões de toneladas produzidas de trigo, vai fazer o quê se a demanda do mercado mundial for superior? Os produtores de trigo vão exportar, como fizeram no ano passado.
Pensando, por exemplo, no feijão, por que chegou a faltar esse produto em nosso mercado, se o Brasil é um grande produtor mundial? Esse foi o reflexo indireto de outros fatores. O aumento, já desde o ano passado, do preço do milho e da soja, assim como o efeito da subida dos preços desses produtos no mercado interno, fez com que as terras destinadas à produção do feijão não o fossem mais. Os capitalistas converteram a área de produção de feijão em terra para cultivo do milho, que tinha preços mais vantajosos no mercado mundial, em função da escalada provocada pelo etanol americano. Escalada que atingiu também a soja, que, na falta do milho, o substitui na ração animal - não na alimentação humana.
É bem provável que nesse começo de ano, com a entrada da principal safra de feijão, não haja falta, mas a perspectiva é que, no final do ano, o produto venha a faltar. Se os preços do milho e da soja continuarem mais vantajosos, é óbvio que os capitalistas continuarão privilegiando a sua produção.
No caso do arroz, os estoques de que o Brasil dispõe, que são baixíssimos, mais a perspectiva de safra, já praticamente colhida, momentaneamente não sinalizam para uma situação de falta do produto. Porém, se os preços do mercado internacional estourarem, será iniciado um processo de se destinar parte da produção do mercado interno ao externo.
Temos, portanto, o ‘deus mercado’ determinando todos esses mecanismos nefastos associados a produtos essenciais à nossa segurança alimentar.
CC: Confirmando esses mecanismos, na atual polêmica relativa ao desabastecimento do arroz, onde se discute taxar ou não as exportações de produtores privados, o ministro da Agricultura Reinold Stephanes chegou a negar a medida.
AU: Veja, é por isso que comecei pela causa estrutural. O mercado de alimento não pode sobreviver ao mercado livre. Seguir essa trilha é colocar em risco a possibilidade de sobrevivência da humanidade. O mercado não é capaz de regular nada, exceto as vantagens dos capitalistas. E o problema da fome está aí, para demonstrar essa incapacidade.
No plano do mercado interno brasileiro, desde 1992, o país não aumenta nem a produção de feijão, nem a de arroz e nem a de mandioca, que são os três alimentos básicos da população brasileira. Pode-se pôr o milho aí, mas este não serve só para a alimentação humana, tem também o componente de matéria-prima para a ração.
CC: Ou seja, estamos pensando em produzir etanol sem sequer termos assegurado nossa segurança alimentar.
AU: E como o Brasil tem resolvido, em face da adoção da política neoliberal, o mercado de arroz e feijão? Quando há falta, importa. Então, o país usa a disponibilidade do produto no mercado mundial como instrumento de controle da sua segurança alimentar. Mas, à medida que os países bloqueiam a exportação, não existe mais essa possibilidade, ou seja, o Brasil não teria a chance de buscar no mercado mundial o arroz necessário para manter seus preços elevados no mercado interno.
Esse é o quadro mais crítico do mercado interno. Bom, pode-se questionar por que não se aumenta a produção de arroz, feijão e mandioca. A resposta é que a política agrícola voltada ao alimento básico no Brasil não permite aos agricultores reporem os custos de produção. Quem produz esses alimentos são, em grande maioria, os pequenos agricultores, e eles não têm como resolver o problema da produção, voltando sua atenção a outros produtos. Se pegamos Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul, todos produtores de feijão, vemos que a tendência é plantar milho, pois possui preços mais vantajosos.
Portanto, o efeito na alimentação brasileira é direto e indireto no que se refere ao mercado dos alimentos básicos. Poder-se-ia colocar nesse bolo a carne. O Brasil está se tornando o maior exportador mundial de tudo quanto é tipo de carne. Conseqüentemente, é claro que, se a produção for destinada ao mercado externo, o interno passa a ser regulado pela disputa de preços. Ou o mercado interno paga preços compatíveis ao mundial, ou se investe em produzir para o mercado mundial.
Pensando ainda no etanol no Brasil: a cana é responsável direta pelo aumento no custo do alimento? Claro que não, mas de forma indireta, sim. Ainda que uma parte da expansão da cultura da cana seja feita em cima de área de pastagem.
CC: Nesse quesito, o físico José Goldemberg chegou a mencionar recentemente que os biocombustíveis estão envoltos em algumas noções falaciosas, já que as lavouras de cana ocupariam apenas 2% dos quase 3 milhões de Km2 utilizados pelo setor agropecuário e, ademais, seriam cultivadas pela conversão de pastagens - e o espaço ocupado por pastos estaria em decréscimo. O que você responderia a isso?
AU: Veja bem. Se tomarmos a área de crescimento da cana neste ano, da penúltima safra para a última, vê-se que, na maioria, não se invadiu a área da produção de alimentos. Mesmo assim, há locais em que isso ocorreu, o que é reconhecido por órgãos do próprio setor sucro-alcooleiro.
A cana, portanto, cresce sim sobre parte das terras que eram destinadas à produção de outros alimentos. E o principal efeito da expansão da cana, esse é o ponto primordial, é o sucessivo. Não se trata necessariamente de um efeito que irá se sentir de forma direta, entre um ano e outro. É um efeito que ao longo dos anos vai se somando. Se compararmos os dados do IBGE da produção agropecuária de 1990 a 2006, considerando-se somente os municípios que tiveram aumento na área plantada de cana e tomando como referência os municípios que cresceram em mais de 500 hectares essa área, o que encontramos? Uma redução de 261 mil hectares de área de feijão. E uma redução de 340 mil hectares de área plantada de arroz.
Desta forma, como a expansão da cana não afeta? Não só o arroz e feijão são afetados, mas também a agropecuária, pois nesses municípios houve uma redução de 460 milhões de litros na produção de leite, por ano. E também uma redução de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino.
E aí aparece ainda o efeito perverso do desmatamento: a cana está deslocando a pecuária - assim como a soja no Mato Grosso também a desloca - para o Pará, onde existe hoje o terceiro maior rebanho do país.
CC: No estado de São Paulo, a paisagem se transformou de maneira incrível, só se vêem plantações de cana em longos trechos de suas rodovias.
AU: E para completar, naqueles 261 mil hectares que deixaram de ser plantados com feijão, seria possível produzir 400 mil toneladas do produto, ou seja, 12% da produção nacional. Pode-se dizer que o país não diminuiu essa produção, apenas plantou em outras regiões. É verdade, mas não houve incremento de produção. Seria possível plantar em outras regiões e fazer crescer a produção de feijão no país, mas isso não aconteceu. Quanto ao arroz, nos 340 mil hectares não plantados, poder-se-ia produzir 1 milhão de toneladas do produto, o equivalente a 9% do total do Brasil.
Este é um estudo que estamos ampliando para os demais produtos para mostrar exatamente que não estamos diante de um efeito momentâneo, e sim de uma tendência. Quanto mais se expandir a produção de uma cultura que disputa espaço com outras, naturalmente haverá reflexos nessa produção concorrente.
CC: Ou seja, a se permanecer esse modelo agrícola, as conseqüências podem ser catastróficas.
AU: Só não são catastróficas porque a política agrícola brasileira jogava com o mercado externo e até por isso o governo brasileiro bate forte com essa história dos subsídios da Europa e dos EUA. Querem, a todo custo, que o mundo continue com a política neoliberal. Europa, EUA e Japão estão abandonando a política neoliberal - há vários estudos que mostram esse fato- e o Brasil fica defendendo essa bandeira em nome do agronegócio.
Por outro lado, o que é cruel, não se fez avançar a reforma agrária, sendo que onde ela existe sempre se prioriza a produção de alimentos. Quer dizer, não se estimula a reforma agrária e fica-se nesse impasse da crise que o modelo neoliberal gera.
CC: Portanto, a reforma agrária seria uma das soluções a longo prazo?
AU: É uma solução a curto, médio e longo prazo. O pequeno agricultor produz primeiramente o alimento que precisa para consumo próprio e, automaticamente, ele gera excedentes. Se o Brasil tivesse assentado sua política de produção de alimentos na reforma agrária, hoje o país não estaria vivendo essa situação.
CC: Mas parece que essa possibilidade não se inscreve mais politicamente nesse governo, não?
AU: Não, pelo contrário. O que o governo, parte da mídia e intelectuais passaram a dizer? Que a reforma agrária não era necessária.
CC: Toda a extensa fundamentação que você fez aqui retrata uma crise profundamente estrutural. Mas o estouro dessa crise alimentar agora, em meio à crise hipotecária americana, não seria uma curiosa coincidência?
AU: Eu penso que a crise norte-americana é estrutural. Trata-se de uma crise do setor financeiro e este é o coração do capitalismo na etapa na qual vivemos. É também inegável que uma parte dos fundos investiu em commodities. Não se trata, portanto, de uma ação somente ideológica, onde uma crise vem para encobrir a outra, penso que não é esse o caminho. Há, isto sim, o efeito da crise nessa mudança dos fundos para as commodities.
CC: Mas uma bolha de commodities é então inegável?
AU: Exatamente.
CC: Em meio a toda essa discussão, às vezes surgem declarações como a do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, para quem, em face da crise alimentar, seria necessário ampliar o desmatamento legal. Como você encara uma declaração dessas?
AU: Enxergar no desmatamento a alternativa, num país que tem 120 milhões de hectares de terras comprovadamente improdutivas, registradas no cadastro do Incra, que não faz a reforma agrária porque o governo não quer, somente pode ser encarado como uma loucura do modelo do agronegócio.
Na realidade, há dois centros na produção de grãos. Um é o histórico, no sul. O outro é o Centro-Oeste, a nova área do agronegócio e onde ficam os defensores do desmatamento.
Esse setor do agronegócio situado no Centro-Oeste, que tem no governador Maggi seu representante maior, está acenando com essa alternativa porque, obviamente, na conjuntura atual, o preço da carne também está em alta no mercado mundial. Não compensa fazer a reversão de área de pastagem para a produção de grãos, como em anos anteriores. Então, na verdade, os atuais produtores de grãos estão espremidos entre cumprir a legislação ambiental e expandir sua área de produção. E eu só posso classificar isso como um ato de loucura.
CC: Seria também um ‘ato de loucura’ a declaração do presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, ao dizer que o avanço da pecuária na Amazônia e a derrubada da madeira são conseqüências do baixíssimo valor econômico da floresta? Enquanto isso, ativistas do Greenpeace defendem ‘compensações econômicas pelo não desmatamento’. Há uma relação de causalidade entre esses dois enfoques?
AU: Penso que são dois pontos que devem ser colocados de maneira bem cuidadosa. Em primeiro lugar, a maior parte das terras da Amazônia com floresta está grilada, não pertence a quem quer derrubar ou está derrubando a floresta. Uma parte expressiva dessas terras é propriedade do Incra. Para se ter uma idéia mais exata, são 60 milhões de hectares, que deveriam ser destinados à reforma agrária e não o são porque estão grilados.
Assim, o primeiro ponto que deve ser levantado é o de questionar se essas terras pertencem a quem as cercou. Não pertencem! E o que fez o governo Lula? Baixou a MP 422 para regularizar a grilagem da terra na Amazônia! E isso vai permitir que o grilão, que está lá ocupando a terra, compre até 1500 hectares. Assim sendo, que historia é essa de baixo valor econômico?
Quanto ao Greenpeace, em algumas áreas, as pessoas têm o título de propriedade. Nesse caso, qual é a posição do Greenpeace, e de certo modo a do ministério do Meio Ambiente? Explorar economicamente a floresta, de forma sustentável. Isso é só para quem acredita em papai Noel e que o agronegócio brasileiro, sobretudo esse que grila terra na Amazônia, é capaz de respeitar alguma lei. O Estado na Amazônia está invertido. Quem ocupa o poder nos municípios da região é exatamente quem não cumpre a lei.
“www.socialismo.org.br
Questões Agrárias
Valéria Nader (colaborou Gabriel Brito)
Em face de mais uma crise mundial que parece explosiva, com a fome e a inflação de alimentos se tornando noticiário nos vários cantos do planeta, conversamos com o professor do departamento de Geografia da USP Ariovaldo Umbelino.
Para Umbelino, a atual situação não deixa a menor margem para diagnósticos ilusionistas: a crise alimentar resultou da total incapacidade do mercado para conduzir à segurança e à soberania alimentar. No Brasil, a ausência de reforma agrária foi também determinante, e a situação é tendencialmente explosiva em função da escalada dos biocombustíveis.
Confira abaixo entrevista exclusiva.
Correio da Cidadania: A que se pode atribuir, pensando globalmente, o atual problema da fome: à formação especulativa de estoques, à queda de safras, à tomada de terras para os cultivos agroindustriais, todos eles comprometendo a produção de alimentos?
Ariovaldo Umbelino: Em primeiro lugar, há de se levar em conta que a falta da produção de alimentos na atual conjuntura tem uma série de motivos, que vou tentar enumerar.
Primeiro, o que está em jogo é uma crise estrutural no interior do sistema produtivo que o capitalismo adotou no neoliberalismo, com a mudança da sistemática de controle da produção de alimentos, antes baseada no sistema de estoques e hoje baseada no livre comércio, ou seja, na disponibilidade dos estoques no mercado. Essa mudança está revelando agora suas conseqüências. Portanto, essa é uma primeira razão, e ela é estrutural.
Podemos também lembrar que há uma redução dos estoques em função da ‘subprime’, qual seja, dos problemas no mercado financeiro norte-americano. Uma parte dos fundos se dirigiu à compra de commodities (mercado de futuro), o que acelerou o processo especulativo em função da queda dos estoques e da possibilidade de oferta de alimentos no mercado futuro. Essas são questões estruturais e estão associadas.
A segunda razão é de natureza conjuntural, e deriva do aumento do preço do petróleo. Toda a produção do agronegócio pós-revolução verde, e agora, nesse período do neoliberalismo, está assentada no setor agroquímico, e evidentemente que este é comandado pela lógica do preço do petróleo. Se sobe o preço deste, o custo da agropecuária também sobe e, consequentemente, deriva daí parte da responsabilidade pelo aumento dos preços dos alimentos.
O terceiro motivo, nem por isso de menor importância, pois todos esses são processos simultâneos, está no aumento do consumo devido a uma certa melhoria das condições de algumas populações, sobretudo da China e da Índia, que têm ampliado a importação de alimentos. Mas não é essa a principal razão, como se quer fazer crer no Brasil.
CC: Nesse sentido, fazendo um parêntese para o Brasil, o presidente Lula chegou a declarar que a inflação de alimentos é decorrente de os pobres estarem consumindo mais, e não uma conseqüência da expansão do cultivo do biocombustível. Ao mesmo tempo, aparentemente corroborando a versão presidencial, sabemos que o motor do crescimento nos últimos meses tem sido realmente o aquecimento do mercado interno, em face da deterioração da balança comercial (exportações menos importações). Como você avalia essa situação?
AU: Isso é uma grande bobagem. É evidente que o aumento do consumo é parte da questão, mas não é nem a razão principal, muito menos a única, conforme disse.
CC: Mas voltando, então, aos determinantes da crise alimentar em escala global, você citaria algum outro fator, como, por exemplo, a produção dos biocombustíveis?
AU: Outra causa também conjuntural, que pode vir a se tornar estrutural, é a opção norte-americana pela produção do etanol a partir do milho, bem como o caminho tomado pelos países da União Européia de produzir o etanol a partir de grãos. É claro que essa opção dos EUA, hoje o maior produtor mundial de etanol, fez com que uma parte do milho destinado à alimentação humana e animal fosse destinada à produção de etanol, o que por sua vez gerou os mecanismos especulativos na queda dos estoques de milho. Essa queda, por sua vez, puxou pra cima os preços dos demais grãos: soja, trigo, arroz.
Volto a insistir, essa razão é conjuntural, mas pode vir a se tornar estrutural, porque os EUA não têm mais terras disponíveis à agricultura para ampliar sua produção de milho e continuar mantendo sua produção de trigo e soja. Essas três culturas competem entre si. Portanto, se aumenta a área de uma, diminui a de outra. Além do mais, ampliar a área de cultivo nos EUA sai muito caro, os preços dos alimentos não compensariam. E a essa questão interna dos EUA se soma o aumento do custo de produção, pelo efeito do petróleo.
Esse é, assim, o quadro que se apresenta no plano mundial.
CC: E como esse quadro rebate nos países emergentes, especificamente?
AU: Poderíamos dizer que os primeiros países onde esse rebatimento se deu de forma rápida foram os da Ásia, com a elevação dos preços do arroz, e também os países importadores de trigo. Nesses, o efeito foi imediato, pois, com a elevação do preço do trigo nos EUA, e consequentemente do trigo exportado para outras partes do mundo, os países importadores sentiram imediatamente a alta.
Quanto ao arroz, a elevação de seu preço fez com que os países produtores de arroz do sudeste asiático começassem a bloquear as exportações do produto, assim como agiu a Argentina com relação ao trigo.
Evidentemente que o lado cruel desse processo todo rebaterá na África, cujos povos precisam do trigo para sua alimentação básica, em função do grau de miséria que a região sofre. E aí entra o grito da ONU, pois ela tem seus recursos destinados a fornecer alimento a essa população que sofre com a fome e percebeu que não teria como comprar esses produtos em razão da elevação dos preços.
Mas não só a África sofre, como também a América, como se viu no Haiti.
CC: E o Brasil, como fica nessa conjuntura?
AU: No Brasil, o primeiro efeito aparece no trigo, já que, com o bloqueio das exportações da Argentina, precisamos comprar no mercado mundial, ou seja, nos EUA e Canadá, onde há trigo disponível para exportação. Sendo assim, os preços se elevaram. Não só os preços, pois agora há também o frete, que não existia quando se trazia trigo da Argentina.
Pois bem, o Brasil tem um consumo anual de 10 milhões de toneladas de trigo e produz três milhões, o que nos torna o maior importador mundial de trigo hoje. Sendo assim, inevitavelmente o efeito do trigo terá suas conseqüências no Brasil, não só no pão, mas em todos os produtos nos quais se utiliza trigo.
Somos o único país do mundo em que se prega essa tese maluca do neoliberalismo, de que comida tem de ser oferecida no mercado a quem puder pagar mais, como propõem os economistas neoliberais. Claro que isso tira do país a possibilidade de obter uma mínima segurança alimentar, nem digo soberania.
A lógica do neoliberalismo é essa: manda-se comida a quem paga mais, não a quem tem fome. Nem para o próprio povo do país. A lógica neoliberal não está assentada na segurança, quanto menos na soberania alimentar.
Como parte desse mecanismo, agravando-o ainda mais, vêm os possíveis desdobramentos futuros. O Brasil, com seus três milhões de toneladas produzidas de trigo, vai fazer o quê se a demanda do mercado mundial for superior? Os produtores de trigo vão exportar, como fizeram no ano passado.
Pensando, por exemplo, no feijão, por que chegou a faltar esse produto em nosso mercado, se o Brasil é um grande produtor mundial? Esse foi o reflexo indireto de outros fatores. O aumento, já desde o ano passado, do preço do milho e da soja, assim como o efeito da subida dos preços desses produtos no mercado interno, fez com que as terras destinadas à produção do feijão não o fossem mais. Os capitalistas converteram a área de produção de feijão em terra para cultivo do milho, que tinha preços mais vantajosos no mercado mundial, em função da escalada provocada pelo etanol americano. Escalada que atingiu também a soja, que, na falta do milho, o substitui na ração animal - não na alimentação humana.
É bem provável que nesse começo de ano, com a entrada da principal safra de feijão, não haja falta, mas a perspectiva é que, no final do ano, o produto venha a faltar. Se os preços do milho e da soja continuarem mais vantajosos, é óbvio que os capitalistas continuarão privilegiando a sua produção.
No caso do arroz, os estoques de que o Brasil dispõe, que são baixíssimos, mais a perspectiva de safra, já praticamente colhida, momentaneamente não sinalizam para uma situação de falta do produto. Porém, se os preços do mercado internacional estourarem, será iniciado um processo de se destinar parte da produção do mercado interno ao externo.
Temos, portanto, o ‘deus mercado’ determinando todos esses mecanismos nefastos associados a produtos essenciais à nossa segurança alimentar.
CC: Confirmando esses mecanismos, na atual polêmica relativa ao desabastecimento do arroz, onde se discute taxar ou não as exportações de produtores privados, o ministro da Agricultura Reinold Stephanes chegou a negar a medida.
AU: Veja, é por isso que comecei pela causa estrutural. O mercado de alimento não pode sobreviver ao mercado livre. Seguir essa trilha é colocar em risco a possibilidade de sobrevivência da humanidade. O mercado não é capaz de regular nada, exceto as vantagens dos capitalistas. E o problema da fome está aí, para demonstrar essa incapacidade.
No plano do mercado interno brasileiro, desde 1992, o país não aumenta nem a produção de feijão, nem a de arroz e nem a de mandioca, que são os três alimentos básicos da população brasileira. Pode-se pôr o milho aí, mas este não serve só para a alimentação humana, tem também o componente de matéria-prima para a ração.
CC: Ou seja, estamos pensando em produzir etanol sem sequer termos assegurado nossa segurança alimentar.
AU: E como o Brasil tem resolvido, em face da adoção da política neoliberal, o mercado de arroz e feijão? Quando há falta, importa. Então, o país usa a disponibilidade do produto no mercado mundial como instrumento de controle da sua segurança alimentar. Mas, à medida que os países bloqueiam a exportação, não existe mais essa possibilidade, ou seja, o Brasil não teria a chance de buscar no mercado mundial o arroz necessário para manter seus preços elevados no mercado interno.
Esse é o quadro mais crítico do mercado interno. Bom, pode-se questionar por que não se aumenta a produção de arroz, feijão e mandioca. A resposta é que a política agrícola voltada ao alimento básico no Brasil não permite aos agricultores reporem os custos de produção. Quem produz esses alimentos são, em grande maioria, os pequenos agricultores, e eles não têm como resolver o problema da produção, voltando sua atenção a outros produtos. Se pegamos Paraná, Santa Catarina e parte do Rio Grande do Sul, todos produtores de feijão, vemos que a tendência é plantar milho, pois possui preços mais vantajosos.
Portanto, o efeito na alimentação brasileira é direto e indireto no que se refere ao mercado dos alimentos básicos. Poder-se-ia colocar nesse bolo a carne. O Brasil está se tornando o maior exportador mundial de tudo quanto é tipo de carne. Conseqüentemente, é claro que, se a produção for destinada ao mercado externo, o interno passa a ser regulado pela disputa de preços. Ou o mercado interno paga preços compatíveis ao mundial, ou se investe em produzir para o mercado mundial.
Pensando ainda no etanol no Brasil: a cana é responsável direta pelo aumento no custo do alimento? Claro que não, mas de forma indireta, sim. Ainda que uma parte da expansão da cultura da cana seja feita em cima de área de pastagem.
CC: Nesse quesito, o físico José Goldemberg chegou a mencionar recentemente que os biocombustíveis estão envoltos em algumas noções falaciosas, já que as lavouras de cana ocupariam apenas 2% dos quase 3 milhões de Km2 utilizados pelo setor agropecuário e, ademais, seriam cultivadas pela conversão de pastagens - e o espaço ocupado por pastos estaria em decréscimo. O que você responderia a isso?
AU: Veja bem. Se tomarmos a área de crescimento da cana neste ano, da penúltima safra para a última, vê-se que, na maioria, não se invadiu a área da produção de alimentos. Mesmo assim, há locais em que isso ocorreu, o que é reconhecido por órgãos do próprio setor sucro-alcooleiro.
A cana, portanto, cresce sim sobre parte das terras que eram destinadas à produção de outros alimentos. E o principal efeito da expansão da cana, esse é o ponto primordial, é o sucessivo. Não se trata necessariamente de um efeito que irá se sentir de forma direta, entre um ano e outro. É um efeito que ao longo dos anos vai se somando. Se compararmos os dados do IBGE da produção agropecuária de 1990 a 2006, considerando-se somente os municípios que tiveram aumento na área plantada de cana e tomando como referência os municípios que cresceram em mais de 500 hectares essa área, o que encontramos? Uma redução de 261 mil hectares de área de feijão. E uma redução de 340 mil hectares de área plantada de arroz.
Desta forma, como a expansão da cana não afeta? Não só o arroz e feijão são afetados, mas também a agropecuária, pois nesses municípios houve uma redução de 460 milhões de litros na produção de leite, por ano. E também uma redução de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino.
E aí aparece ainda o efeito perverso do desmatamento: a cana está deslocando a pecuária - assim como a soja no Mato Grosso também a desloca - para o Pará, onde existe hoje o terceiro maior rebanho do país.
CC: No estado de São Paulo, a paisagem se transformou de maneira incrível, só se vêem plantações de cana em longos trechos de suas rodovias.
AU: E para completar, naqueles 261 mil hectares que deixaram de ser plantados com feijão, seria possível produzir 400 mil toneladas do produto, ou seja, 12% da produção nacional. Pode-se dizer que o país não diminuiu essa produção, apenas plantou em outras regiões. É verdade, mas não houve incremento de produção. Seria possível plantar em outras regiões e fazer crescer a produção de feijão no país, mas isso não aconteceu. Quanto ao arroz, nos 340 mil hectares não plantados, poder-se-ia produzir 1 milhão de toneladas do produto, o equivalente a 9% do total do Brasil.
Este é um estudo que estamos ampliando para os demais produtos para mostrar exatamente que não estamos diante de um efeito momentâneo, e sim de uma tendência. Quanto mais se expandir a produção de uma cultura que disputa espaço com outras, naturalmente haverá reflexos nessa produção concorrente.
CC: Ou seja, a se permanecer esse modelo agrícola, as conseqüências podem ser catastróficas.
AU: Só não são catastróficas porque a política agrícola brasileira jogava com o mercado externo e até por isso o governo brasileiro bate forte com essa história dos subsídios da Europa e dos EUA. Querem, a todo custo, que o mundo continue com a política neoliberal. Europa, EUA e Japão estão abandonando a política neoliberal - há vários estudos que mostram esse fato- e o Brasil fica defendendo essa bandeira em nome do agronegócio.
Por outro lado, o que é cruel, não se fez avançar a reforma agrária, sendo que onde ela existe sempre se prioriza a produção de alimentos. Quer dizer, não se estimula a reforma agrária e fica-se nesse impasse da crise que o modelo neoliberal gera.
CC: Portanto, a reforma agrária seria uma das soluções a longo prazo?
AU: É uma solução a curto, médio e longo prazo. O pequeno agricultor produz primeiramente o alimento que precisa para consumo próprio e, automaticamente, ele gera excedentes. Se o Brasil tivesse assentado sua política de produção de alimentos na reforma agrária, hoje o país não estaria vivendo essa situação.
CC: Mas parece que essa possibilidade não se inscreve mais politicamente nesse governo, não?
AU: Não, pelo contrário. O que o governo, parte da mídia e intelectuais passaram a dizer? Que a reforma agrária não era necessária.
CC: Toda a extensa fundamentação que você fez aqui retrata uma crise profundamente estrutural. Mas o estouro dessa crise alimentar agora, em meio à crise hipotecária americana, não seria uma curiosa coincidência?
AU: Eu penso que a crise norte-americana é estrutural. Trata-se de uma crise do setor financeiro e este é o coração do capitalismo na etapa na qual vivemos. É também inegável que uma parte dos fundos investiu em commodities. Não se trata, portanto, de uma ação somente ideológica, onde uma crise vem para encobrir a outra, penso que não é esse o caminho. Há, isto sim, o efeito da crise nessa mudança dos fundos para as commodities.
CC: Mas uma bolha de commodities é então inegável?
AU: Exatamente.
CC: Em meio a toda essa discussão, às vezes surgem declarações como a do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, para quem, em face da crise alimentar, seria necessário ampliar o desmatamento legal. Como você encara uma declaração dessas?
AU: Enxergar no desmatamento a alternativa, num país que tem 120 milhões de hectares de terras comprovadamente improdutivas, registradas no cadastro do Incra, que não faz a reforma agrária porque o governo não quer, somente pode ser encarado como uma loucura do modelo do agronegócio.
Na realidade, há dois centros na produção de grãos. Um é o histórico, no sul. O outro é o Centro-Oeste, a nova área do agronegócio e onde ficam os defensores do desmatamento.
Esse setor do agronegócio situado no Centro-Oeste, que tem no governador Maggi seu representante maior, está acenando com essa alternativa porque, obviamente, na conjuntura atual, o preço da carne também está em alta no mercado mundial. Não compensa fazer a reversão de área de pastagem para a produção de grãos, como em anos anteriores. Então, na verdade, os atuais produtores de grãos estão espremidos entre cumprir a legislação ambiental e expandir sua área de produção. E eu só posso classificar isso como um ato de loucura.
CC: Seria também um ‘ato de loucura’ a declaração do presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, ao dizer que o avanço da pecuária na Amazônia e a derrubada da madeira são conseqüências do baixíssimo valor econômico da floresta? Enquanto isso, ativistas do Greenpeace defendem ‘compensações econômicas pelo não desmatamento’. Há uma relação de causalidade entre esses dois enfoques?
AU: Penso que são dois pontos que devem ser colocados de maneira bem cuidadosa. Em primeiro lugar, a maior parte das terras da Amazônia com floresta está grilada, não pertence a quem quer derrubar ou está derrubando a floresta. Uma parte expressiva dessas terras é propriedade do Incra. Para se ter uma idéia mais exata, são 60 milhões de hectares, que deveriam ser destinados à reforma agrária e não o são porque estão grilados.
Assim, o primeiro ponto que deve ser levantado é o de questionar se essas terras pertencem a quem as cercou. Não pertencem! E o que fez o governo Lula? Baixou a MP 422 para regularizar a grilagem da terra na Amazônia! E isso vai permitir que o grilão, que está lá ocupando a terra, compre até 1500 hectares. Assim sendo, que historia é essa de baixo valor econômico?
Quanto ao Greenpeace, em algumas áreas, as pessoas têm o título de propriedade. Nesse caso, qual é a posição do Greenpeace, e de certo modo a do ministério do Meio Ambiente? Explorar economicamente a floresta, de forma sustentável. Isso é só para quem acredita em papai Noel e que o agronegócio brasileiro, sobretudo esse que grila terra na Amazônia, é capaz de respeitar alguma lei. O Estado na Amazônia está invertido. Quem ocupa o poder nos municípios da região é exatamente quem não cumpre a lei.
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quarta-feira, 1 de outubro de 2008
O combate do G8 a fome, ao aumento dos preços do petróleo e à inflação
30 de Setembro de 2008
Rüdiger Falksohn e Wolfgang Reuter
Os preços de energia e alimentos parecem estar aumentando diariamente e com eles a inflação. Com um novo relatório de estratégia, a chanceler alemã Angela Merkel espera encontrar um caminho para a crise tríplice no encontro de cúpula do G8 (grupo dos países mais industrializados mais a Rússia), nesta semana no Japão.
No que se refere a bilionários, Richard Rainwater, 65 anos, do Texas, é bastante comum. Seus ativos estão avaliados em cerca de US$ 3 bilhões, o que o coloca na faixa intermediária dos americanos super-ricos.
Um matemático por formação acadêmica, Rainwater é um visionário - famoso por ser o “caubói do capitalismo dos anos 90″, porque há 11 anos ele vendeu ações lucrativas de diversas empresas e, juntamente com outros, investiu US$ 300 milhões adicionais em empresas do mercado de energia que estava em dificuldades na época. O estouro da bolha pontocom de Internet e a recente crise imobiliária pouco o afetaram, e sua empresa, a Rainwater, recentemente anunciou com satisfação um lucro de US$ 2 bilhões.
Em 1997, um barril de petróleo cru custava apenas US$ 20. De lá para cá o preço explodiu e atualmente se encontra em US$ 144 no mercado global. Mas olhando à frente, Rainwater vendeu seus interesses em petróleo quando o preço atingiu US$ 129 e a empresa está, pelo menos por ora, evitando o petróleo. Rainwater vê a atividade turbulenta nas bolsas de commodities como um observador distante e surpreendentemente até a critica. Se as coisas prosseguirem como estão, ele disse recentemente à revista “Forbes”, a sobrevivência da humanidade poderá estar em risco.
O mundo já foi abalado por três crises financeiras recentes. Como resultado do colapso imobiliário nos Estados Unidos, bancos e seguradoras de todo o mundo foram atingidos. Além disso, os preços dos bens mais importantes do mundo estão em alta - tanto para fontes de energia quanto para alimentação. E quanto mais caros ficam os commodities, mais eles aceleram o processo de inflação global.
Inevitavelmente, o Terceiro Mundo e os países emergentes estão sendo arrastados por estas crises. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) transformaram a abertura de seus mercados internos para capital e produtos ocidentais - incluindo alimentos e bens de consumo - em uma pré-condição para obtenção de empréstimos. E agora isto.
No Vietnã, apenas recentemente considerada uma economia tigre asiática, a taxa de inflação já está em 25%. Em junho, a população teve que gastar 75% mais em alimentos do que há apenas um ano. Trabalhadores estão fazendo greve por aumentos salariais em muitas partes do país.
Os preços do diesel em Bangladesh aumentaram em um terço, para cerca de US$ 0,80 por litro; o preço do gás natural aumentou dois terços. Dos 145 milhões de habitantes do país, 58 milhões precisam viver ganhando menos de US$ 1 por dia.
Na Tailândia, manifestantes bloquearam as ruas por causa da desvalorização do baht, que está dolorosamente inflacionando os preços dos importados. Crescem os temores de uma nova crise asiática.
Na Índia, os protestos estão se tornando mais freqüentes. Linhas de trem estão sendo bloqueadas. Escolas estão sendo fechadas. E, na semana passada, milhões de caminhoneiros entraram em grave após o governo em Nova Déli ter reduzido os subsídios aos combustíveis, uma nova política que afeta não apenas os preços do diesel, mas também o do óleo de cozinha.
A Índia, uma potência econômica em rápido crescimento, está enfrentando uma taxa de inflação de 11,6%. No Paquistão, o índice é de 19,3%, 20,2% no Irã, e Rússia, Sérvia e Bulgária estão registrando índices de cerca de 15%. Em 50 outros países, o índice é superior a 10%.
Se a Alemanha, por exemplo, experimentasse uma queda de 30% no poder aquisitivo como vista atualmente na Etiópia ou Venezuela, isto significaria que aqueles que recebem o mais alto benefício desemprego do país, atualmente de 378 euros (US$ 594) por mês, veriam seu poder de compra reduzido para 264 euros em um ano.
Toda a atenção agora está concentrada na ilha de Hokkaido no Japão. A partir de segunda-feira, os líderes dos países do G8 se reunirão na cidade de Toyako para discutir uma série de questões que dificilmente poderiam ser mais complicadas. Como, por exemplo, é possível reprimir o poder destrutivo potencial de uma economia globalizada? O sistema capitalista está seguindo para um colapso? E como resgatar o mundo desta crise tripla - e com que meios?
Surpreendentemente, os oito maiores países industrializados do mundo inicialmente nem queriam colocar estas questões no centro de sua agenda. O primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, 71 anos, carecia de coragem ou talvez de poder para colocar a questão da crise tripla na agenda. Em vez disso ele se concentrou na mudança climática e na África, as mesmas questões adotadas por sua antecessora, a chanceler Angela Merkel da Alemanha, que foi a anfitriã da última conferência do G-8 em Heiligendamm, na costa do Mar Báltico, em 2007.
Mas, em abril, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, escreveu aos japoneses e pediu para que a situação mundial dos alimentos fosse discutida no encontro. Merkel também reconheceu a necessidade de ação. Discretamente, eles convocaram um grupo de trabalho interministerial. Na última segunda-feira, eles informaram as conclusões a Fukuda, o presidente do G8, assim como aos chefes de Estado e governos dos demais países membros.
A “Spiegel” obteve uma cópia da carta de seis páginas, que trata dos problemas fundamentais com a seriedade adequada e agora guiará a discussão do G8.
O aumento dos preços terá “conseqüências sérias para a segurança e oferta de alimentos para famílias pobres e carentes, tanto nas áreas urbanas quanto rurais, dos países em desenvolvimento”, ela declara. A escassez de alimentos e conflitos em torno do controle e acesso aos recursos naturais poderia “colocar em risco a democratização, desestabilizar Estados e se transformar em problemas de segurança internacional”.
Além do “crescimento demográfico e econômico” e da “mudança dos hábitos de consumo” no Terceiro Mundo, os autores também atribuem à crescente produção agrícola destinada aos combustíveis como culpada pela explosão de preços. Finalmente, a desvalorização do dólar e a especulação no mercado de futuros também têm influência significativa sobre e nível e flutuações nos preços dos alimentos.
Os conselheiros de Merkel presumem que os preços dos grãos, arroz e sementes oleaginosas se tornarão um pouco menos caros, mas não muito. Ao mesmo tempo, eles esperam flutuações de preço ainda maiores. No relatório de orientação para o G8, eles recomendam:
- um aumento da produtividade agrícola - principalmente nos países em desenvolvimento, onde esta representa, em média, 1% do setor;
- garantias para que os mais duramente atingidos tenham acesso aos alimentos e ajuda financeira;
- que sementes, adubo e equipamentos agrícolas sejam fornecidos rapidamente (de preferência para Estados que façam “bom uso” desta ajuda e de forma responsável);
- a suspensão imediata de restrições de exportação em, por exemplo, países como a Índia.
O governo alemão acredita que os 30 países mais pobres do mundo precisam de US$ 20 bilhões adicionais para importação de alimentos para compensar a oferta insuficiente -um fato que agravaria enormemente seus déficits atuais. O governo de Merkel deseja que o FMI assegure que estes Estados permaneçam solventes. Visando lidar com a “natureza dramática” da crise, a produção global de alimentos também deve ser aumentada -especialmente nos países mais pobres do mundo. O governo alemão argumenta que seria prudente para os países ricos investir na agricultura destes países.
Apenas neste ano, anunciou Merkel, a Alemanha disponibilizará US$ 750 milhões para ajudar a garantir a oferta de alimentos a estes países. Em Toyako, ela deverá pressionar pela criação de uma força-tarefa agrícola na esfera da ONU assim como de um plano para ação adicional.
As propostas de Berlim não são novas nem revolucionárias. Todavia, elas representam as formas como os principais países industrializados estão buscando lidar com estes grandes problemas.
Assim como há um ano em Heiligendamm, a chanceler alemã Merkel também está estabelecendo o tom neste encontro do G8. Mas será que o clube será capaz de tomar as medidas apropriadas? Afinal, a fome é apenas um aspecto deste problema triplo.
A meta é desfazer o nó cego, preferivelmente sem violência. É necessária a adoção de uma posição dura em relação aos fundos hedge, que vem se enriquecendo de forma imprudente; os mercados precisam ser ajustados e regulados. Mas que regras devem ser aplicadas? E que mecanismos de supervisão podem ser justificados sem espalhar ainda mais os estragos?
O fato, por exemplo, de bilhões de chineses estarem comendo mais carne e consumindo mais gasolina do que antes e de que a demanda está crescendo é resultado de um tremendo crescimento econômico. O Império do Centro permitiu o ingresso de investidores em seu país e a qualidade de vida está aumentando - um verdadeiro exemplo para livros educativos. A milésima loja do McDonald’s na China em breve erguerá seus arcos dourados para prazer da sede da empresa americana em Illinois.
Ainda assim, o recente boom em investimento e consumo em Pequim e Xangai recentemente foi identificado como sendo uma das causas do crescente desequilíbrio global. Um motivo é a China estar se tornado uma concorrente formidável na disputa por recursos finitos como petróleo cru. O fato do país também estar diariamente eliminando terras agrícolas para abrir caminho para a indústria também é visto como sendo algo crítico, pois contribui tanto para a redução de suas próprias terras aráveis quanto das áreas agrícolas globais, de forma que a China agora precisa importar milho, soja e trigo.
De fato, a longa marcha da China de um país agrícola para a potência industrial que é atualmente está começando a mostrar seu lado sombrio. Este desenvolvimento industrial, antes tão elogiado, agora deve ser condenado?
Visando manter economias importantes nos trilhos, medidas completamente contraditórias estão sendo realizadas a curto prazo. O Federal Reserve (o banco central americano) em Washington, por exemplo, está reduzindo sua taxa de juros referencial visando estimular a economia americana. Ao fazê-lo, ele está disposto a aceitar a inflação que vem com isso. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu faz o oposto - elevando as taxas de juros na última quinta-feira para 4,25% visando controlar a inflação (atualmente em 4% na zona do euro).
Enquanto isso, o FMI está pedindo por controles mais rigorosos do mercado financeiro, mais relatórios bancários detalhados e melhor gestão de risco nas instituições financeiras e agências de classificação. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn acredita que “a necessidade de uma intervenção pública está cada vez mais evidente”.
Por sua vez, como o mundo soube na sexta-feira, o Banco Mundial está desde abril de posse de um relatório que conclui que a agricultura de plantas usadas para biocombustíveis teve um impacto muito maior sobre os preços dos alimentos do que previamente se imaginava. Mas o relatório foi mantido em sigilo em deferência ao governo americano, que vem apontando o aumento da demanda por alimentos na China e Índia como causa do aumento dos preços, não a demanda por biocombustíveis nos postos americanos e europeus.
A grande maioria dos especialistas está, no mínimo, unida em sua crença de que os tempos de boom chegaram ao fim e que as rédeas precisam ser puxadas, especialmente entre os especuladores. Os governos terão que assumir de novo um papel mais forte no controle dos mercados. Agora cabe aos representantes do G8 a responsabilidade de chegar a conclusões razoáveis e tomar decisões razoáveis com base no relatório de Merkel e outras análises.
“Der Spiegel”
Extraído do Blog Controvérsia, em 1/10/2008
Rüdiger Falksohn e Wolfgang Reuter
Os preços de energia e alimentos parecem estar aumentando diariamente e com eles a inflação. Com um novo relatório de estratégia, a chanceler alemã Angela Merkel espera encontrar um caminho para a crise tríplice no encontro de cúpula do G8 (grupo dos países mais industrializados mais a Rússia), nesta semana no Japão.
No que se refere a bilionários, Richard Rainwater, 65 anos, do Texas, é bastante comum. Seus ativos estão avaliados em cerca de US$ 3 bilhões, o que o coloca na faixa intermediária dos americanos super-ricos.
Um matemático por formação acadêmica, Rainwater é um visionário - famoso por ser o “caubói do capitalismo dos anos 90″, porque há 11 anos ele vendeu ações lucrativas de diversas empresas e, juntamente com outros, investiu US$ 300 milhões adicionais em empresas do mercado de energia que estava em dificuldades na época. O estouro da bolha pontocom de Internet e a recente crise imobiliária pouco o afetaram, e sua empresa, a Rainwater, recentemente anunciou com satisfação um lucro de US$ 2 bilhões.
Em 1997, um barril de petróleo cru custava apenas US$ 20. De lá para cá o preço explodiu e atualmente se encontra em US$ 144 no mercado global. Mas olhando à frente, Rainwater vendeu seus interesses em petróleo quando o preço atingiu US$ 129 e a empresa está, pelo menos por ora, evitando o petróleo. Rainwater vê a atividade turbulenta nas bolsas de commodities como um observador distante e surpreendentemente até a critica. Se as coisas prosseguirem como estão, ele disse recentemente à revista “Forbes”, a sobrevivência da humanidade poderá estar em risco.
O mundo já foi abalado por três crises financeiras recentes. Como resultado do colapso imobiliário nos Estados Unidos, bancos e seguradoras de todo o mundo foram atingidos. Além disso, os preços dos bens mais importantes do mundo estão em alta - tanto para fontes de energia quanto para alimentação. E quanto mais caros ficam os commodities, mais eles aceleram o processo de inflação global.
Inevitavelmente, o Terceiro Mundo e os países emergentes estão sendo arrastados por estas crises. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) transformaram a abertura de seus mercados internos para capital e produtos ocidentais - incluindo alimentos e bens de consumo - em uma pré-condição para obtenção de empréstimos. E agora isto.
No Vietnã, apenas recentemente considerada uma economia tigre asiática, a taxa de inflação já está em 25%. Em junho, a população teve que gastar 75% mais em alimentos do que há apenas um ano. Trabalhadores estão fazendo greve por aumentos salariais em muitas partes do país.
Os preços do diesel em Bangladesh aumentaram em um terço, para cerca de US$ 0,80 por litro; o preço do gás natural aumentou dois terços. Dos 145 milhões de habitantes do país, 58 milhões precisam viver ganhando menos de US$ 1 por dia.
Na Tailândia, manifestantes bloquearam as ruas por causa da desvalorização do baht, que está dolorosamente inflacionando os preços dos importados. Crescem os temores de uma nova crise asiática.
Na Índia, os protestos estão se tornando mais freqüentes. Linhas de trem estão sendo bloqueadas. Escolas estão sendo fechadas. E, na semana passada, milhões de caminhoneiros entraram em grave após o governo em Nova Déli ter reduzido os subsídios aos combustíveis, uma nova política que afeta não apenas os preços do diesel, mas também o do óleo de cozinha.
A Índia, uma potência econômica em rápido crescimento, está enfrentando uma taxa de inflação de 11,6%. No Paquistão, o índice é de 19,3%, 20,2% no Irã, e Rússia, Sérvia e Bulgária estão registrando índices de cerca de 15%. Em 50 outros países, o índice é superior a 10%.
Se a Alemanha, por exemplo, experimentasse uma queda de 30% no poder aquisitivo como vista atualmente na Etiópia ou Venezuela, isto significaria que aqueles que recebem o mais alto benefício desemprego do país, atualmente de 378 euros (US$ 594) por mês, veriam seu poder de compra reduzido para 264 euros em um ano.
Toda a atenção agora está concentrada na ilha de Hokkaido no Japão. A partir de segunda-feira, os líderes dos países do G8 se reunirão na cidade de Toyako para discutir uma série de questões que dificilmente poderiam ser mais complicadas. Como, por exemplo, é possível reprimir o poder destrutivo potencial de uma economia globalizada? O sistema capitalista está seguindo para um colapso? E como resgatar o mundo desta crise tripla - e com que meios?
Surpreendentemente, os oito maiores países industrializados do mundo inicialmente nem queriam colocar estas questões no centro de sua agenda. O primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, 71 anos, carecia de coragem ou talvez de poder para colocar a questão da crise tripla na agenda. Em vez disso ele se concentrou na mudança climática e na África, as mesmas questões adotadas por sua antecessora, a chanceler Angela Merkel da Alemanha, que foi a anfitriã da última conferência do G-8 em Heiligendamm, na costa do Mar Báltico, em 2007.
Mas, em abril, o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, escreveu aos japoneses e pediu para que a situação mundial dos alimentos fosse discutida no encontro. Merkel também reconheceu a necessidade de ação. Discretamente, eles convocaram um grupo de trabalho interministerial. Na última segunda-feira, eles informaram as conclusões a Fukuda, o presidente do G8, assim como aos chefes de Estado e governos dos demais países membros.
A “Spiegel” obteve uma cópia da carta de seis páginas, que trata dos problemas fundamentais com a seriedade adequada e agora guiará a discussão do G8.
O aumento dos preços terá “conseqüências sérias para a segurança e oferta de alimentos para famílias pobres e carentes, tanto nas áreas urbanas quanto rurais, dos países em desenvolvimento”, ela declara. A escassez de alimentos e conflitos em torno do controle e acesso aos recursos naturais poderia “colocar em risco a democratização, desestabilizar Estados e se transformar em problemas de segurança internacional”.
Além do “crescimento demográfico e econômico” e da “mudança dos hábitos de consumo” no Terceiro Mundo, os autores também atribuem à crescente produção agrícola destinada aos combustíveis como culpada pela explosão de preços. Finalmente, a desvalorização do dólar e a especulação no mercado de futuros também têm influência significativa sobre e nível e flutuações nos preços dos alimentos.
Os conselheiros de Merkel presumem que os preços dos grãos, arroz e sementes oleaginosas se tornarão um pouco menos caros, mas não muito. Ao mesmo tempo, eles esperam flutuações de preço ainda maiores. No relatório de orientação para o G8, eles recomendam:
- um aumento da produtividade agrícola - principalmente nos países em desenvolvimento, onde esta representa, em média, 1% do setor;
- garantias para que os mais duramente atingidos tenham acesso aos alimentos e ajuda financeira;
- que sementes, adubo e equipamentos agrícolas sejam fornecidos rapidamente (de preferência para Estados que façam “bom uso” desta ajuda e de forma responsável);
- a suspensão imediata de restrições de exportação em, por exemplo, países como a Índia.
O governo alemão acredita que os 30 países mais pobres do mundo precisam de US$ 20 bilhões adicionais para importação de alimentos para compensar a oferta insuficiente -um fato que agravaria enormemente seus déficits atuais. O governo de Merkel deseja que o FMI assegure que estes Estados permaneçam solventes. Visando lidar com a “natureza dramática” da crise, a produção global de alimentos também deve ser aumentada -especialmente nos países mais pobres do mundo. O governo alemão argumenta que seria prudente para os países ricos investir na agricultura destes países.
Apenas neste ano, anunciou Merkel, a Alemanha disponibilizará US$ 750 milhões para ajudar a garantir a oferta de alimentos a estes países. Em Toyako, ela deverá pressionar pela criação de uma força-tarefa agrícola na esfera da ONU assim como de um plano para ação adicional.
As propostas de Berlim não são novas nem revolucionárias. Todavia, elas representam as formas como os principais países industrializados estão buscando lidar com estes grandes problemas.
Assim como há um ano em Heiligendamm, a chanceler alemã Merkel também está estabelecendo o tom neste encontro do G8. Mas será que o clube será capaz de tomar as medidas apropriadas? Afinal, a fome é apenas um aspecto deste problema triplo.
A meta é desfazer o nó cego, preferivelmente sem violência. É necessária a adoção de uma posição dura em relação aos fundos hedge, que vem se enriquecendo de forma imprudente; os mercados precisam ser ajustados e regulados. Mas que regras devem ser aplicadas? E que mecanismos de supervisão podem ser justificados sem espalhar ainda mais os estragos?
O fato, por exemplo, de bilhões de chineses estarem comendo mais carne e consumindo mais gasolina do que antes e de que a demanda está crescendo é resultado de um tremendo crescimento econômico. O Império do Centro permitiu o ingresso de investidores em seu país e a qualidade de vida está aumentando - um verdadeiro exemplo para livros educativos. A milésima loja do McDonald’s na China em breve erguerá seus arcos dourados para prazer da sede da empresa americana em Illinois.
Ainda assim, o recente boom em investimento e consumo em Pequim e Xangai recentemente foi identificado como sendo uma das causas do crescente desequilíbrio global. Um motivo é a China estar se tornado uma concorrente formidável na disputa por recursos finitos como petróleo cru. O fato do país também estar diariamente eliminando terras agrícolas para abrir caminho para a indústria também é visto como sendo algo crítico, pois contribui tanto para a redução de suas próprias terras aráveis quanto das áreas agrícolas globais, de forma que a China agora precisa importar milho, soja e trigo.
De fato, a longa marcha da China de um país agrícola para a potência industrial que é atualmente está começando a mostrar seu lado sombrio. Este desenvolvimento industrial, antes tão elogiado, agora deve ser condenado?
Visando manter economias importantes nos trilhos, medidas completamente contraditórias estão sendo realizadas a curto prazo. O Federal Reserve (o banco central americano) em Washington, por exemplo, está reduzindo sua taxa de juros referencial visando estimular a economia americana. Ao fazê-lo, ele está disposto a aceitar a inflação que vem com isso. Ao mesmo tempo, o Banco Central Europeu faz o oposto - elevando as taxas de juros na última quinta-feira para 4,25% visando controlar a inflação (atualmente em 4% na zona do euro).
Enquanto isso, o FMI está pedindo por controles mais rigorosos do mercado financeiro, mais relatórios bancários detalhados e melhor gestão de risco nas instituições financeiras e agências de classificação. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn acredita que “a necessidade de uma intervenção pública está cada vez mais evidente”.
Por sua vez, como o mundo soube na sexta-feira, o Banco Mundial está desde abril de posse de um relatório que conclui que a agricultura de plantas usadas para biocombustíveis teve um impacto muito maior sobre os preços dos alimentos do que previamente se imaginava. Mas o relatório foi mantido em sigilo em deferência ao governo americano, que vem apontando o aumento da demanda por alimentos na China e Índia como causa do aumento dos preços, não a demanda por biocombustíveis nos postos americanos e europeus.
A grande maioria dos especialistas está, no mínimo, unida em sua crença de que os tempos de boom chegaram ao fim e que as rédeas precisam ser puxadas, especialmente entre os especuladores. Os governos terão que assumir de novo um papel mais forte no controle dos mercados. Agora cabe aos representantes do G8 a responsabilidade de chegar a conclusões razoáveis e tomar decisões razoáveis com base no relatório de Merkel e outras análises.
“Der Spiegel”
Extraído do Blog Controvérsia, em 1/10/2008
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