quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Especialista diz que comércio agrícola acelera mudança climática

17/12/2008 - 16h12
Especialista diz que comércio agrícola acelera mudança climática
da Efe, em Genebra


O comércio internacional de produtos agrícolas acelera a mudança climática, pois favorece o aumento das emissões de gases do efeito estufa, afirmou hoje o especialista da ONU sobre o Direito à Alimentação, Olivier de Schutter.

O fator fundamental, segundo De Schutter, deve-se às emissões geradas pelo transporte destes produtos e o tipo de agricultura intensiva que se promove. A agricultura já é responsável por 30% das emissões de gases responsáveis pelo aquecimento do planeta.

Além disso, afirmou que "o comércio é legítimo e se necessita em certo grau, mas não é a solução para a segurança alimentar".

O especialista apresentou à imprensa as conclusões de um estudo pedido pela ONU sobre a relação entre o comércio internacional e o direito à alimentação. O estudo apontou que o comércio não pode substituir a capacidade de cada país de alimentar sua população.

A pesquisa confirma que a crise de alimentos registrada este ano, originada por um grande aumento do preço dos alimentos básicos, aumentou em 100 milhões o número de pessoas que passam fome no mundo. São 963 milhões de pessoas --em comparação com 852 milhões de 2005-- e, desse número, 50% são pequenos agricultores de países em desenvolvimento.

O especialista das Nações Unidas critica em seu relatório o rumo que tomaram nos últimos anos as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre uma maior liberalização do comércio mundial --incluído o agrícola-- e afirma que, embora estas conversas tenham tido êxito, isto não impediria que "outra crise de alimentos se repita daqui a dois ou três anos".

Os grandes produtores aumentaram seu poder e capacidade de influir nas políticas públicas, enquanto ninguém representa os interesses dos pequenos agricultores. Nessas circunstâncias, segundo De Schutter, os que "menos se preocupam por questões sociais ou ambientais têm vantagem".

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carta de Maputo - Via Campesina

CARTA DE MAPUTO - 5ª Conferência Internacional da Via Campesina
Maputo, Moçambique, 19-22 de Outubro, 2008

O mundo inteiro está em crise

Uma crise multi-dimensional. De alimentos, de energia, de clima e de finanças. As soluções que o poder propõe – mais livre comércio, sementes transgênicas, etc – ignoram que a crise resulta do sistema capitalista e do neoliberalismo. Essas medidas somente aprofundarão seus impactos. Para encontrar soluções reais, temos que olhar para a Soberania Alimentar que propõe a Via Campesina.

Como chegamos na crise?

Nas últimas décadas, vimos o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais, sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo. Desde a privatização das sementes e a venda de agrotóxicos, até a compra da colheita, o processamento dos alimentos, transporte, distribuição e venda ao consumidor, tudo já está em mãos de um número reduzido de empresas.

Os alimentos deixaram de ser um direito de todos e todas, e tornaram-se apenas mercadorias. Nossa alimentação está cada vez mais padronizada em todo mundo, com alimentos de má qualidade, preços que as pessoas não podem pagar. As tradições culinárias de nossos povos estão se perdendo.

Também vemos uma ofensiva do capital sobre os recursos naturais, como nunca se viu desde os tempos coloniais. A crise da margem de lucro do capital os lança numa guerra de privatização que os leva nos expulsar, camponeses, camponesas, comunidades indígenas, roubando nossa terra, territórios, florestas, biodiversidade, água e minérios. Um roubo privatizador.

Os povos rurais e o meio ambiente estão sendo agredidos. A produção de agrocombustíveis em grandes monocultivos industriais também é razão dessa expulsão, falsamente justificada com argumentos sobre crise energética e climática. A realidade atrás das últimas facetas da crise tem muito mais ver com a atual matriz de transporte de longa distância dos bens - e individualizado em automóveis - do que com qualquer outra razão.

Com a crise dos alimentos e com a crise financeira, a situação torna-se mais grave. A crise financeira e a crise dos alimentos estão vinculadas à especulação do capital financeiro com os alimentos e a terra, em detrimento das pessoas. Agora, o capital financeiro está desesperado, assaltando os cofres públicos para dominuir seus prejuízos. Os países serão obrigados a fazer ainda mais cortes orçamentários, condenado-os a maior pobreza e maior sofrimento.

A fome no mundo segue a passos largos. A exploração e todas as violências, em especial a violência contra a mulher, espalham-se pelo mundo. Com a recessão econômica nos países ricos, aumenta a xenofobia contra os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, com o racismo tomando grandes proporções e com o aumento da repressão. Os jovens têm cada vez menos oportunidades no campo. Isso é o que o modelo dominante oferece.

Ou seja, tudo vai de mal a pior. Contudo, no seio da crise, as oportunidades se fazem presentes. Oportunidades para o capitalismo, que usa a crise para se reinventar e encontrar novas formas de manter suas taxas de lucro, mas também oportunidades para os movimentos sociais, que defendemos a tese de que o neoliberalismo perde legitimidade entre os povos.

As instituições financeiras internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC) estão mostrando sua incapacidade de administrar a crise (além de serem parte dos motivos da crise), criando a possibilidade que sejam desarticuladas e que outras instituições reguladoras a economia global surjam e que atendam outros interesses. Está claro que as empresas transnacionais são os verdadeiros inimigos e estão atrás das crises.

Está claro que os governos neoliberais não atendem aos interesses dos povos. Também está claro que a produção mundial de alimentos controlada pelas empresas transnacionais, não se faz capaz de alimentar o grande contingente de pessoas neste planeta, enquanto que a Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa local, faz-se mais necessária do que nunca.

O que defendemos na Via Campesina frente a esta realidade?

- A soberania alimentar: Renacionalizar e tirar o capital especulativo da produção dos alimentos é a única saída para a crise dos alimentos. Somente a agricultura camponesa alimenta os povos, enquanto o agronegócio produz para a exportação e sua produção de agrocombustíveis é para alimentar os automóveis, e não para alimentar gente. A Soberania Alimentar baseada na agricultura camponesa é a solução para a crise.

- Frente às crises energéticas e climáticas: a disseminação de um sistema alimentar local, que não se baseia na agricultura industrial nem no transporte a longa distância, eliminaria até 40% das emissões de gases de efeito estufa. A agricultura industrial aquece o planeta, enquanto a agricultura camponesa desaquece. Uma mudança no padrão do transporte humano para um transporte coletivo e outras mudanças no padrão de consumo, são os passos a mais, necessários para enfrentarmos a crise energética e climática.

-A Reforma Agrária genuína e integral, e a defesa do território indígena são essenciais para reverter o processo de expulsão do campo, e para disponibilizar a terra para a produção de alimentos, e não para produzir para a exportação e para combustíveis.

-A agricultura camponesa sustentável: somente a produção camponesa agroecológica pode desvincular o preço dos alimentos do preço do petróleo, recuperar os solos degradados pela agricultura industrial e produzir alimentos saudáveis e próximos para nossas comunidades.

-O avanço das mulheres é o avanço de todos: o fim de todos os tipos de violência para com as mulheres, seja ela, física, social ou outras. A conquista da verdadeira paridade de gênero em todos os espaços internos e instâncias de debates e tomada de decisões são compromissos imprescindíveis para avançar neste momento como movimentos de transformação da sociedade.

- O direito à semente e à água: a semente e a água são as verdadeiras fontes da vida, e são patrimônios dos povos. Não podemos permitir sua privatização, nem o plantio de sementes transgênicas ou de tecnologia terminator.

- Não à criminalização dos movimentos sociais. Sim à declaração dos Direitos dos Camponeses e Camponesas na ONU, proposta pela Via Campesina. Será um instrumento estratégico no sistema legal internacional para fortalecer nossa posição e nossos direitos como camponeses e camponesas.

- A juventude do campo: É necessário abrir, cada vez mais, espaços em nossos movimentos para incorporara força e a criatividade da juventude camponesa, com sua luta para contruir seu futuro no campo.

- Finalmente, nós produzimos e defendemos os alimentos para todos e todas.

Todos e todas participantes da V Conferência da Via Campesina nos comprometemos coma defesa da agricultura camponesa, com a Soberania Alimentar, com a dignidade, com a vida. Nós colocamos à disposição do mundo as soluções reais para a crise global que estamos enfrentando hoje. Temos o direito de continuarmos camponeses e camponesas, e temos a responsabilidade de alimentar nossos povos.

Aqui estamos, nós os camponeses e camponesas do mundo, e nos negamos a desaparecer.

Soberania Alimentar JÁ! Com a luta e a unidade dos povos!
Globalizemos a luta! Globalizemos a esperança!

VIA CAMPESINA INTERNACIONAL

(EXTRAÍDO DO BOLETIM ELETRONICO MÓ DE VIDA (http://www.modevida.com/agenda1.html#2)

Número de famintos sobe para 963 milhões

Número de famintos sobe para 963 milhões
[FAO - 09/12/2008]

Número de famintos sobe para 963 milhões

Causa foi a alta dos preços dos alimentos – e crise financeira pode agravar a situação

Roma e Brasília, 9 de dezembro de 2008 – Mais 40 milhões de pessoas foram atingidas pela fome este ano, principalmente devido à alta dos preços dos alimentos, segundo as estatísticas preliminares publicadas hoje pela FAO. Com isso o número total de famintos no mundo subiu para 963 milhões, comparado a 923 milhões em 2007. E a crise financeira e econômica pode levar ainda mais pessoas para a fome e a pobreza, alerta a FAO.

“Os preços dos alimentos têm baixado em todo o mundo desde o início de 2008, mas isso não acabou com a crise alimentar em muitos países pobres”, informou o Diretor-Geral Adjunto da FAO, Hafez Ghanem, durante o lançamento da nova edição do relatório da FAO sobre a fome, “O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo – (SOFI) 2008”.

“Para milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, ter o alimento mínimo todos os dias para uma vida ativa e saudável é um sonho distante. As causas estruturais da fome, como a falta de acesso a terra, crédito e emprego, combinadas com os altos preços dos alimentos continuam sendo uma triste realidade”, completou.

Os preços dos cereais principais caíram mais de 50% de seus picos no início de 2008, mas permanecem altos comparados a anos anteriores. Apesar da forte queda nos últimos meses, o Índice de Preços FAO permanecia 28% mais alto em outubro de 2008, comparado a outubro de 2006.

Como os preços das sementes e fertilizantes (e outros insumos) mais que dobraram desde 2006, os agricultures mais pobres não puderam aumentar a produção. Mas os de mais recursos, particularmente dos países desenvolvidos, conseguiram suportar os aumentos e expandir o plantio. Como resultado, a produção de cereais nos países desenvolvidos deve subir pelo menos 10% em 2008. E nos países em desenvolvimento o aumento não deve passar de 1%.

“Se a queda de preços e a restrição ao crédito associadas à crise econômica forçarem os agricultores a produzir menos alimentos, no ano que vem poderemos assistir a outra brusca alta de preços”, acrescentou Ghanem. “O objetivo da Cúpula Mundial de Alimentos de 1996, de reduzir à metade o número de famintos em 2015, requer um forte compromisso político e investimentos em países pobres de pelo menos US$30 bilhões por ano para agricultura e proteção social aos pobres”, concluiu.

O mapa da fome

A grande maioria da população subnutrida – 907 milhões – vive nos países em desenvolvimento, de acordo com os números de 2007 do “Estado da Insegurança Alimentar Mundial”. Desses, 65% estão concentrados em apenas sete países: Índia, China, República Democrática do Congo, Bangladesh, Indonésia, Paquistão e Etiópia. Progressos nos países de maior população teriam um importante impacto na redução global da fome.

Quase dois terços da população faminta do mundo vive na Ásia (583 milhões em 2007), continente com progresso relativamente lento na redução da fome. As notícias positivas são de que alguns países do Sudeste Asiático, como Tailândia e Vietnã, fizeram bons avanços em direção à meta da Cúpula Mundial da Alimentação. Mas a Ásia Meridional e a Central tiveram retrocessos na luta contra a fome.

Na África Subsaariana, uma em cada três pessoas – ou 236 milhões em 2007 – sofre de desnutrição crônica, a maior proporção de subnutridos numa população total, de acordo com o relatório. A maior parte do aumento de famintos foi num único país, a República Democrática do Congo, resultado de um conflito generalizado e persistente. O país africano passou de 11 milhões de desnutridos (em 2003-05) para 43 milhões, de 29% para 76% de sua população total.

De um modo geral, a África Subsaariana fez progressos na redução da proporção de pessoas com fome crônica, que baixou de 34% (1995-97) para 30% (2003-05). Gana, Congo, Nigéria, Moçambique e Malawi tiveram as maiores reduções. Gana foi o único país africano que atingiu os níveis de redução da fome da Cúpula Mundial da Alimentação e os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (erradicar a extrema pobreza e a fome). O crescimento da produção agrícola foi fundamental nesse resultado.

A América Latina e o Caribe tiveram seu maior sucesso na redução da fome antes do aumento dos preços dos alimentos. A crise fez subir o número de famintos na sub-região para 51 milhões em 2007.

Os países do Oriente Próximo e do Norte da África geralmente têm os menores níveis de subnutrição do mundo. Mas os conflitos no Afganistão e no Iraque e o aumento dos preços dos alimentos fizeram o número passar de 15 milhões em 1990-92 para 37 milhões em 2007.

Objetivo difícil de alcançar

Alguns países estavam no caminho para alcançar o objetivo da Cúpula antes do aumento dos preços, mas “mesmo esses sofreram retrocessos – parte do progresso foi perdida graças aos aumentos. A crise afetou principalmente os pobres, os agricultores sem terra e as famílias sustentadas por mulheres”, disse Ghanem. “Será necessário um enorme esforço global e também ações concretas para reduzir o número de famintos em 500 milhões em 2015”.

Exportações ameaçadas

A situação da fome no mundo pode se deteriorar ainda mais se a crise financeira atingir a economia de cada vez mais países. A redução da demanda nos países desenvolvidos ameaça a renda que os países em desenvolvimento obtêm pela exportação. Remessas de emigrantes, investimentos e outros fluxos de capital incluindo ajuda ao desenvolvimento também correm risco. As economias emergentes em particular estão sujeitas a longos impactos da restrição ao crédito, mesmo se a crise tiver curta duração.

Acesse o relatório completo em espanhol ou inglês pelo link:

http://www.fao.org/SOF/sofi/index_es.htm